A startup brasileira Nubank, conhecida por seu cartão de crédito roxo, recebeu ontem investimentos de US$ 400 milhões. O aporte foi liderado pelo fundo americano TCV, que já colocou dinheiro em gigantes como Facebook, Netflix e Airbnb. Segundo apurou o ‘Estado’, a fintech passou a ser avaliada em cerca de US$ 10 bilhões. É a primeira vez que uma startup brasileira se aproxima dessa marca sem abrir seu capital.
De quebra, a avaliação faz a empresa, criada em 2013 pelo colombiano David Vélez, valer mais de um quarto do Banco do Brasil, instituição financeira mais antiga do País. Ontem (26), o BB encerrou o pregão avaliado em R$ 143,3 bi (cerca de US$ 38 bilhões). Ao anunciar o aporte, o Nubank disse ainda que chegou à marca de 12 milhões de usuários em todo o País, divididos entre o cartão de crédito e a conta bancária NuConta.
Com os recursos, o Nubank vai financiar sua expansão pela América Latina. Depois de abrir escritórios no México e na Argentina, a previsão da startup é lançar produtos nesses dois mercados até o primeiro semestre de 2020. “Devemos ter um papel mais importante na região do que já temos no Brasil, porque os bancos estão muito atrasados”, disse Cristina Junqueira, cofundadora da startup, ao Estado.
O Nubank também fará contratações: a meta é chegar ao fim do ano com 2,5 mil pessoas, contra os atuais 1,7 mil funcionários. As novas vagas serão abertas nos quatro escritórios da startup – além da matriz em São Paulo e das filiais latinas, há um centro de engenharia em Berlim, aberto pelo Nubank em 2017. “Onde acharmos boas pessoas, vamos contratar”, disse Cristina. Com o novo aporte, o Nubank chegou à marca de US$ 820 milhões em investimentos, ao longo de sete rodadas.
Cristina descartou categoricamente a possibilidade de venda do Nubank para um banco tradicional – como fez, por exemplo, a gestora de investimentos XP, vendida para o Itaú em 2017. “Não seremos vendidos”, disse. Ela, porém, não deixou de lado a hipótese de abertura de capital a longo prazo. “Eventualmente, é algo que estará no nosso caminho, mas não faz sentido hoje nos submetermos à regulação de uma empresa aberta.”
É a primeira vez que o TCV, um dos fundos mais importantes do Vale do Silício, faz um aporte significativo em uma startup latina. “Não vamos investir em outras latinas”, disse David Zheng, vice-presidente do grupo. “Foi uma situação de visão global.” (leia entrevista abaixo). Além do TCV, vão participar da rodada investidores prévios do Nubank, caso da gigante chinesa Tencent e de fundos como DST Global e Sequoia Capital – outro que também já investiu no Facebook.
Para Rafael Ribeiro, diretor da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), competir na América Latina é o primeiro passo do Nubank para se tornar uma empresa global, mas haverá desafios. “É um mercado que ainda tem uma cultura de uso do cartão muito forte”, disse. “Por outro lado, entender a língua e a legislação de cada país será um entrave para essa expansão.” Para ele, a empresa foi cuidadosa ao escolher o momento de expansão. “Eles souberam se consolidar e fincar alicerces no País antes de seguir em frente.”
Qualificação
De acordo com Felipe Matos, autor do livro 10 Mil Startups, o processo de contratação será uma pedra no sapato da startup. “Além do déficit de vagas em tecnologia no Brasil, para quem quer crescer rápido, achar gente com a cultura da startup, de forma a não perder agilidade, é difícil”, diz.
No entanto, Matos vê grande potencial para o Nubank. “O mercado bancário brasileiro é bem mais adiantado que o resto da região”, diz. “É uma grande oportunidade de entrada.” Para ele, o Nubank ainda tem espaço para crescer no País – em especial, com serviços como a recém-lançada conta para pessoas jurídicas, de olho em microempreendedores individuais e pequenas empresas.
‘Não olhamos fintechs, mas Nubank é grande’
Investidor de nomes como Netflix, Airbnb e Spotify, gestor de fundo do Vale do Silício vê potencial global na startup brasileira.
Por que o TCV decidiu investir no Nubank?
Costumamos investir em negócios que oferecem o que chamamos de uma “experiência de consumidor mágica”. Também olhamos para equipes administrativas fortes e diferenciação tecnológica. Os investimentos mais conhecidos que fizemos, como Netflix, Spotify e Airbnb, têm isso. Historicamente, não olhamos para fintechs, mas estamos empolgados com os bancos digitais. Os bancos tradicionais não evoluíram tecnologicamente. Então, a ideia de que um banco digital pode oferecer serviços melhores nos chamou a atenção. Olhamos no mundo todo e o Nubank saltou aos olhos. Não é só a tecnologia deles ou a experiência do consumidor. É também a visão do David (Vélez, cofundador do Nubank). Ele pode escolher a métrica que quiser para mostrar o impacto do Nubank na América Latina. É uma grande marca e esperamos construir uma parceria de longo prazo com eles.
Há quanto tempo o TCV monitora o Nubank?
Há alguns anos, mas gostamos de investir em negócios em estágios mais avançados. As conversas para um investimento, especificamente, começaram a acontecer há um ano. Eles conseguiram ganhar tração e agora queremos ver o que podem fazer numa situação em que têm muitos produtos e presença em vários países.
É a primeira vez que o TCV faz um aporte na América Latina?
Já fizemos outros investimentos no continente, mas esse é o primeiro significativo. Não estamos montando uma equipe na região, nem vamos passar a investir em várias startups locais. Foi uma situação de visão global do crescimento de bancos digitais, bem como do posicionamento no Nubank no Brasil, que é muito atraente.
O TCV, então, não planeja investir em outras startups da região?
Vamos continuar olhando para possíveis investimentos em todo o mundo. Nossa abordagem é global. Em todos os nossos investimentos, temos um ponto de vista matemático. Não interessa que seja uma fintech, uma startup de mídia, ou startups voltadas ao consumidor. Não investiremos em uma fintech da América Latina só por ser do continente. Nossa abordagem é encontrar os investimentos alinhados com nossa tese.
Como o sr. vê o ecossistema de startups latino?
Sabemos que há muita coisa acontecendo. É um padrão que já ocorreu em outros países. Sempre que há necessidade de eficiência, a tecnologia pode melhorar as coisas, e aí cria-se valor para empresas. O timing da América Latina é empolgante: a infraestrutura física e a penetração crescente de telefonia móvel são importantes, podendo causar disrupções. Há muitas oportunidades. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.