economia

Colapso de 2001 volta a assombrar os argentinos

O anúncio feito pelo presidente da Argentina, Mauricio Macri, na terça-feira, de que seu governo está conversando com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para receber um financiamento fez com que o aposentado Francisco Bebeacua se recordasse de um dos períodos mais difíceis de sua vida: os anos seguintes ao colapso econômico do país em 2001.

À época, todo o dinheiro que tinha em sua poupança – o equivalente a US$ 5 mil – foi retido pelo governo, em uma tentativa do presidente Fernando de la Rúa de impedir a fuga de capitais. Parte dos primos de Bebeacua perdeu o emprego e sua filha mais velha, então com 22 anos, deixou o país para nunca mais voltar. Sem a perspectiva de um futuro, ela foi viver na Europa. “Foi um pesadelo. Houve gente que se suicidou porque a poupança de toda uma vida havia sido confiscada. Tenho medo do que vai acontecer na Argentina agora. Nenhuma empresa vai aguentar uma taxa de juros de 40%”, diz o aposentado.

A situação daquela época era diferente da atual, frisa a maioria dos economistas. Enquanto entre o fim da década de 90 e o início dos anos 2000 foram quatro anos de recessão, hoje a Argentina vem de uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,9% no ano passado, e a alta esperada pelo próprio FMI para este ano é de 2%.

“O governo está em uma situação complicada: a inflação não cede e o mercado pôs em dúvida o financiamento internacional do país. Mas não se compara com 2001”, diz o economista Ramiro Castiñeira, da consultoria argentina Econometrica.

Os argumentos de Castiñeira, porém, não são suficientes para convencer a mulher de Bebeacua, a professora aposentada Graciela Cingolani. “O que estamos vivendo agora pode não ser igual a 2001, mas os primeiros passos são os mesmos. Salvo que uma variável mude, vamos pelo mesmo caminho”, argumenta.

‘Blindagem financeira’

Graciela se refere justamente ao pedido de ajuda ao FMI feito por Macri. Em dezembro de 2000, De la Rúa pegou um empréstimo com o FMI e outros organismos internacionais de cerca de US$ 40 bilhões, em uma medida batizada de “blindagem financeira”. A ideia era que os recursos servissem para pagar dívidas do país e aumentassem a confiança no mercado financeiro. Já a solicitação de Macri foi chamada, pelo seu ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, de “financiamento preventivo” e também deveria dar ao país credibilidade internacional, fazendo com que a moeda argentina, o peso, deixasse de perder valor.

A Argentina é o país que vem sendo mais prejudicado pela valorização do dólar no mercado internacional, com as perspectivas de um aumento maior dos juros nos Estados Unidos – o que torna o mercado americano mais atraente aos investidores e afeta diretamente os países emergentes.

Além desse cenário externo desfavorável, a perda de credibilidade do Banco Central após o relaxamento da meta de inflação de 10% para 15% neste ano, a criação de um imposto sobre ganhos financeiros de investidores estrangeiros e a avaliação de que os déficits das contas públicas e externo continuam altos ajudaram a desencadear a crise no país. A turbulência financeira culminou com uma fuga de capital que desvalorizou o peso em 12% neste mês. Na sexta-feira, o dólar fechou em 23,01 pesos.

Antes de recorrer ao FMI, o governo Macri tentou segurar a cotação da moeda vendendo reservas internacionais – já foram US$ 8 bilhões nas últimas semanas, tendo sobrado US$ 54,4 bilhões -, elevando a taxa básica de juros três vezes em oito dias, chegando a 40% ao ano, e reduzindo a meta do déficit fiscal de 3,2% para 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB). O mercado, porém, continua bastante volátil.

Graciela afirma achar difícil que Macri consiga convencer os investidores a deixarem seu dinheiro no país, já que membros do próprio governo mantêm recursos fora. Segundo dados da Receita argentina, do patrimônio total do alto escalão do governo, 43% estão no exterior. “Que segurança tem um país onde os ministros mantêm seu dinheiro fora?”, questiona a aposentada. Ela e o marido também estão entre a grande parte dos argentinos que não acredita no sistema bancário nem na moeda do país: a poupança do casal é em dólares, escondida dentro de casa. “Depois de 2001, não confiamos em banco.”

Nova geração

Apesar de não terem vivido a última grande crise argentina, jovens também veem com desconfiança o pedido de ajuda ao FMI. Magali Kerzenblat, de 20 anos, estudante de Ciências Atuariais, afirma achar arriscada a medida, pois o empréstimo do Fundo virá com exigências em relação à economia da Argentina – possivelmente, metas para a dívida pública. “Nossa independência externa pode ser prejudicada, com o FMI pedindo para que o governo adote medidas que não favoreçam o país.”

A estudante de contabilidade pública Estefania Pingarro, de 22 anos, acredita que o momento atual da economia argentina é diferente do de 2001, mas lembra que há uma espécie de trauma no país. “Acho que (o empréstimo) pode ajudar. Parece que a taxa de juros não vai ser muito alta. Mas essa tensão (da população) tem a ver com nossa história. Sempre que fizemos uma dívida com o FMI, nos demos mal.”

Estefania não se lembra da crise de 2001, que levou 57,5% da população à pobreza. Tinha apenas cinco anos quando a Argentina deu um calote de cerca de US$ 100 bilhões – um dos maiores da história -, mas sabe que seus pais perderam tudo o que tinham poupado até então: o suficiente para comprar um imóvel. A compra da casa própria teve de ser adiada por dez anos. A estudante, que ainda é professora de hóquei, também já poupa em dólares. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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