Cobrança diferenciada opõe Ministério da Justiça e BC

Os senadores vão analisar na próxima semana, durante as votações do chamado esforço concentrado, um tema que tem deixado em lados opostos o Ministério da Justiça e o Banco Central: a cobrança de preços diferentes no comércio para pagamentos em dinheiro ou no cartão, feitos à vista.

Um projeto de decreto legislativo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) suspende uma resolução aprovada, em 1989, pelo extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), que proibia a fixação de preços diferentes.

O Ministério da Justiça acampa o entendimento dos órgãos de defesa do consumidor, que sempre foram contrários à diferenciação de preços e reagem toda vez que há movimentação no Congresso para aprovar qualquer projeto permitindo essa prática. Se a Lei permitir a diferenciação, avaliam, não haverá desconto para pagamento em dinheiro e os preços serão ainda maiores, especialmente para quem usa cartão de crédito.

“Seria um retrocesso depois que massificamos o uso do cartão, inclusive para classes de baixa renda. Vamos ter de voltar a incentivar o uso do dinheiro, com todos os riscos de carregar grandes quantias?”, questiona Juliana Pereira, titular da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon).

No Brasil, pela “regra do não sobrepreço”, é vedado ao comerciante cobrar um preço maior do consumidor que usar o cartão. Também é proibido dar descontos aos usuários de outros meios, como o dinheiro vivo, que não sejam oferecidos aos portadores do cartão.

Regulador do mercado de cartões, o Banco Central (BC) é contrário à restrição de cobrança diferenciada por entender que a regra gera distorções em termos de eficiência e concorrência. A regra de não sobrepreço, diz o BC, implica em subsídio implícito de quem não usa o cartão em favor daqueles que usam a modalidade de pagamento. Em um estudo de 2010, o BC calculou que uma família que usa dinheiro e outros instrumentos (como o cartão de débito, por exemplo) transferiu uma média de R$ 97 por ano aos titulares de cartões de crédito. O subsídio que cada família de renda alta que usa cartão de crédito recebeu chegou a R$ 301 por ano.

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) é contra a mudança. “O comerciante troca a inadimplência de outras formas de pagamento por risco zero com o cartão de crédito. O lojista tem esse benefício, não pode querer passar o ônus para o consumidor”, diz o diretor executivo da Abecs, Ricardo Vieira.

Incentivo exagerado

O professor de economia da Universidade Católica de Brasília, Wilfredo Maldonado, diz que outro efeito da restrição ao preço diferenciado é o incentivo para se utilizar com mais frequência um instrumento que não necessariamente é o mais barato para a população. “A não diferenciação incentiva o uso exagerado do cartão de crédito no Brasil”, diz. Ele orientou o trabalho de conclusão de doutorado de Marcos Valli Jorge, funcionário do Departamento de Operações Bancárias e Sistema de Pagamentos do BC.

A conclusão do estudo demonstra que o bem-estar dos consumidores pode ser maior no equilíbrio com preços diferenciados do que sob uma regra de não-diferenciação.

Os lojistas transferem para o preço de todas as mercadorias o porcentual de 2,5% a 4,5% que as empresas de cartão de crédito cobram por mês. “Os comerciantes não absorvem custo algum. Tudo é repassado para o valor do produto. Mesmo sendo um custo produzido somente para as vendas feitas por meio do cartão, todos os consumidores pagam a conta”, explica o advogado da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Cácito Esteves. Para o setor, a diferenciação daria mais transparência nas taxas de financiamento nas vendas parceladas, maior poder de negociação aos estabelecimentos e um novo ponto de equilíbrio no crescimento do mercado de cartões, dependendo do comportamento dos estabelecimentos e dos consumidores.

Esteves diz que Reino Unido, Austrália, Suécia, Suíça, Holanda, México e Estados Unidos (dependendo de legislação estadual) permitem a prática de preços diferenciados. O resultado, segundo ele, são preços mais baixos para quem usa dinheiro. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

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