Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenha apurado um crescimento da economia nos últimos trimestres e detectado uma deflação de 4,6% no preço dos alimentos entre janeiro e outubro deste ano, esses indícios de melhora econômica não foram percebidos pelas classes C e D, segundo pesquisa realizada pelo instituto Plano CDE, especializado no comportamento de consumo das famílias de baixa renda.

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Após três anos seguidos de intensa recessão, os tênues sinais de alento recentes não chegaram ao radar desse contingente da população, diz Maurício de Almeida Prado, diretor do Plano CDE. A avaliação dessas famílias sobre a própria situação financeira na pesquisa feita em novembro é tão ruim quanto no levantamento de 2015, auge da crise, ano em que o Produto Interno Bruto (PIB) teve retração de quase 4%.

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O cenário de apreensão é em parte explicado pela composição de renda dessa população, que costuma ter forte componente informal. Dessa forma, a posição de um consumidor na classe C está longe de ser sólida. Caso um só morador perca o emprego, uma mesma residência pode cair para a classe D ou até mesmo E de um mês para outro.

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A deflação dos alimentos – item de forte peso na cesta de gastos da baixa renda – não foi suficiente para compensar o efeito nefasto da alta do desemprego nas periferias. Quando perguntados se os preços pararam de subir, só 6% disseram concordar totalmente, enquanto 68% afirmaram discordar completamente dessa afirmação. Ao mesmo tempo, a maior parte das pessoas também revelou ter medo do desemprego e relatou dificuldade para fazer reservas de emergência e pagar dívidas.

Aperto

Entre as famílias que viram a renda cair nos últimos anos está a das irmãs Lislei e Dione Silva, de 55 anos e 45 anos, respectivamente. Elas dividem o mesmo quintal, em um bairro da zona norte de São Paulo, mas vivem em casas separadas (o imóvel é da família e nenhuma das duas paga aluguel). No caso de Lislei, a queda da renda foi brusca. O ex-marido perdeu o emprego de segurança que lhe rendia R$ 2 mil por mês. Com isso, a pensão que ele paga às duas filhas hoje se resume a contribuições eventuais.

Para sustentar as meninas, de 16 e 17 anos, Lislei conta com a renda do salão que montou em frente de casa e com o dinheiro que a filha mais velha ganha como menor aprendiz. O total de renda da família não chega a R$ 1 mil – de acordo com os critérios da Fundação Getulio Vargas, isso levou a família de Lislei a cair dois degraus na escala de renda em dois anos. Com a renda de R$ 3 mil que tinha em 2015, a casa estava na classe C; agora, recebendo menos de R$ 1,2 mil, foi rebaixada à classe E.

Trabalhando como autônoma, a cabeleireira e podóloga vê a renda flutuar bastante de um mês para o outro. O salão, que chegou a render mais de R$ 1 mil por mês, hoje arrecada, em média, R$ 300. O serviço de podologia também não vem conquistando muitos clientes: no mês passado, foi chamada para um único atendimento de emergência, de R$ 70. E nem sempre o trabalho feito hoje garante receita imediata: “Aqui, se a gente não fizer o serviço fiado, aí que não faz mais nada mesmo.”

Como a maior parte dos entrevistados pelo estudo do Plano CDE, Lislei diz que só viu seus gastos aumentarem e as dívidas se acumularem. Está com as contas de casa atrasadas – que são pagas só quando há ameaça de corte – e já desistiu de tentar pagar a fatura de vários cartões de crédito. “Estou com o nome sujo”, admite. Ainda mantém um cartão com limite disponível, caso precise usá-lo para alguma emergência, como uma despesa médica.

Cortes

A pesquisa mostrou ainda que, desde 2015, o processo de cortes de gastos nos lares das classes C e D só foi intensificado. Todos os gastos supérfluos, em especial os realizados fora de casa, estão sendo limados. Em 2017, os principais itens cortados, segundo o levantamento, foram comida fora de casa, lazer e serviços de beleza. “Uma das estratégias das pessoas para economizar é trocar o lazer no shopping pela diversão dentro de casa, que pode ser cotizada entre todos os membros da família”, diz Almeida Prado, do Plano CDE.

Na lógica das famílias de baixa renda, somente o custo do ônibus para que pai, mãe e três filhos cheguem ao shopping – mesmo que não gastem nada – é suficiente para o pagamento de um plano básico de internet ou de uma assinatura de serviço de streaming, como o Netflix, por um mês inteiro. “É uma troca que faz todo sentido para esse público. Ele prefere o lazer virtual ao real, não só pela questão do custo, mas também pelo fator segurança.”

Irmã mais nova de Lislei, Dione Silva é uma espécie de relações públicas de institutos de pesquisa na periferia de São Paulo. Chegou a comandar oito levantamentos sobre a classe C por ano – em 2017, participou só de três. O serviço eventual de guia turístico no centro de São Paulo também minguou. A renda de Dione só caiu menos do que a de Lislei porque o pai de sua filha começou a pagar pensão para a menina.

Enquanto Lislei diz que hoje gasta apenas com comida – o plano pré-pago de TV via satélite não recebe créditos há vários meses -, Dione ainda consegue manter o pacote da Net, de R$ 36 por mês. “Eu também tenho Netflix, porque sempre uso o mês de acesso grátis, vou trocando o nome de acesso conforme o tempo passa”, diz a pesquisadora. No que se refere a passeios, cortou teatros e museus totalmente. “Hoje, vou ao parque e, às vezes, ao cinema.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.