Brasília
e Rio (AG) – Depois de ver o mito da segurança nos fundos de investimentos de renda fixa ruir, os investidores da classe média se perguntam o que fazer com suas economias.Os pequenos aplicadores ainda não conseguiram se recuperar do susto provocado pela antecipação das mudanças feitas na composição dos fundos pelo Banco Central (BC) e se sentem traídos com a quebra da promessa de que nunca teriam prejuízos num fundo de renda fixa. Muitos estão tirando o dinheiro dos fundos e levando-o de volta para a caderneta de poupança, mesmo sabendo que terão uma rentabilidade menor. Outros estão buscando a segurança perdida no dólar e nos imóveis. A maioria, no entanto, aconselhada pelos bancos, aguarda uma retomada da rentabilidade perdida.
Dados do BC mostram que só no dia do anúncio das mudanças, dia 29, e no dia seguinte ao feriado de Corpus Christi, 31, as cadernetas de poupança receberam depósitos de R$ 393 milhões. A corrida para a poupança continuou na semana passada, com a Caixa Econômica Federal, por exemplo, captando de segunda a quinta-feira cerca de R$ 403 milhões. Apenas na segunda-feira, os depósitos líquidos chegaram a R$ 23 milhões, embora a Caixa esperasse saques de R$ 30 milhões no dia.
Os especialistas, no entanto, avisam que o melhor para o investidor agora é manter os recursos aplicados nos fundos e esperar para recuperar pelo menos parte da rentabilidade perdida. Sacar agora pode significar perder a chance de uma recuperação com a melhora da economia e ainda ter que pagar a CPMF de 0,38% sobre a movimentação. Além disso, seria confirmar as perdas recentes.
Mas muita gente não está convencida. Afinal, a nova regra do jogo determina que a partir de agora as aplicações em fundos estarão sempre sujeitas a oscilações diárias. Mas se a redução dos preços dos papéis que compõem as carteiras diminuiu o valor dos títulos, por outro lado aumentaram os juros que eles podem render aos investidores. Pelas contas de especialistas, quem mantiver recursos aplicados nos fundos tem boas chances de recuperar as perdas e ainda ganhar.
– O mito da segurança total nesses fundos caiu. Mas o papel do governo continua sendo o mais seguro, porque, em última instância, o governo emite dinheiro para pagar. Não há risco de calote – disse o analista da corretora Mercatto, Marcos Mello.
Numa simulação feita para o período de junho a dezembro deste ano, a projeção é que os fundos devem render bem mais do que a poupança, mesmo considerando o fato de a caderneta não recolher Imposto de Renda. O IR sobre os fundos é de 20% sobre os rendimentos.
Segundo esses cálculos, um investimento de mil reais na poupança renderia 4,97% nesses seis meses e os recursos cresceriam para R$ 1.049,72 no fim do ano. Já em um fundo corrigido, por exemplo, somente por Letras Financeiras do Tesouro (LFT) – títulos pós-fixados – com prazo de junho de 2004, a rentabilidade seria de 8,68% e os recursos subiriam para R$ 1.086,83. Um fundo que só aplicasse em Letras do Tesouro Nacional (LTN) – papéis prefixados – com prazo de dezembro de 2002, renderia 8,88% e a aplicação chegaria a R$ 1.088,83 no fim do período. Caso, a LFT venha a ter uma nova perda no seu valor, semelhante à ocorrida no dia 29 de maio, o investidor que tiver mil reais aplicados no fundo ainda terá ao fim do período uma rentabilidade de 7,92%, encerrando o mês de dezembro com R$ 1.079,24.
A grande lição a ser tirada de todo esse problema, dizem os especialistas, é que não se pode deixar de monitorar os rendimentos. Os bancos e administradores são obrigados a fornecer os regulamentos que definem a forma de condução de cada fundo. E os gerentes não podem se negar a dar informações aos participantes dos fundos.
Apesar de o BC e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) justificarem a mudança nos fundos como uma forma de proteger os pequenos investidores de maiores perdas no futuro, foram justamente essas pessoas as mais indignadas.
Houve casos em que as pessoas eram tão crédulas nas promessas do governo e do mercado que nem mesmo sabiam quanto tinham nos fundos, ou ainda, em que fundo tinha seus recursos aplicados. Simplesmente faziam os depósitos e só se lembravam do dinheiro quando precisavam. Esse tipo de investidor, destaca a coordenadora do Laboratório de Finanças da USP, Fernanda Sinotti, é o mais comum.
A analista de sistemas Luciana Naves, de 25 anos, é uma investidora que não tem o hábito de acompanhar as movimentações do mercado financeiro. Um dia antes do anúncio da medida do BC, ela aplicou R$ 10 mil em um fundo de investimento. No dia seguinte, teve a notícia da mudança e constatou a perda de R$ 100. O dinheiro de Luciana sequer chegou a ter rendimentos. Ela perdeu parte do valor que economizava para o pagamento de uma prestação intermediária de um apartamento.
– Tirei o dinheiro da poupança e coloquei no fundo. Acreditei que assim não corria risco nenhum de perda. Afinal, todo mundo dizia que os fundos de renda fixa não tinham rentabilidade negativa. Me dei mal – afirmou Luciana.
Já a aposentada Solange Jorge, que tinha recursos aplicados no fundo BB Fix Preferencial, do Banco do Brasil, perdeu R$ 1.200 com a mudança.
Arrecadação da Receita cairá com novas regras
As perdas que os poupadores tiveram nos fundos de investimentos devido às novas regras de cálculo dos papéis que compõem suas carteiras devem provocar queda na arrecadação da Receita Federal. Ainda não é possível dimensionar o tamanho do prejuízo do governo com o Imposto de Renda dessas aplicações, mas, com base em estimativas preliminares, técnicos do Fisco já falam em mais de mais de R$ 15 milhões somente em junho.
O cálculo considera a perda de patrimônio de R$ 4,19 bilhões, divulgada pelo BC, referente aos saques feitos na sexta-feira passada e a desvalorização do valor das cotas dos fundos. Soma-se a isto o R$ 1,27 bilhão de resgates feitos na segunda-feira, de acordo com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). As retiradas fizeram o patrimônio dos fundos cair de R$ 340,1 bilhões para R$ 334,6 bilhões em apenas um dia.
– Esse número pode crescer, dependendo de o que fizerem os cotistas. Se houver mais saques ou novas perdas nos fundos, cairá ainda mais a arrecadação com o IR que incide sobre os rendimentos dessas aplicações – disse um integrante da Receita.
Os investidores que têm dinheiro neste tipo de fundo pagam ao fim de cada mês IR de 20% sobre os rendimentos obtidos no período. Segundo a Receita, não é possível saber exatamente o volume de imposto que será arrecadado a menos porque os fundos só recolhem o imposto no dia 30 de cada mês. Tradicionalmente, as aplicações em fundos de investimentos são responsáveis pela arrecadação de R$ 490 milhões todos os meses.
Nos últimos anos, este tipo de aplicação passou a ter a simpatia dos investidores por causa da segurança oferecida. Segundo dados da Receita, a cada turbulência observada no mercado de câmbio, havia uma corrida de investimentos para os fundos de renda fixa.
– Isso aconteceu no segundo semestre do ano passado, quando o país estava sob o impacto da crise de energia, das turbulências na Argentina e dos atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, que provocaram oscilações no dólar – afirmou o técnico da Receita.
Resgate não aconselhado
Ter paciência e evitar mudanças radicais de rumo. Esse é o principal conselho dos consultores financeiros para quem, na semana passada, se assustou com as perdas registradas pelos fundos de investimento e está inseguro quanto à decisão que deve tomar.
Apesar dos prejuízos e da descoberta de que mesmo os fundos de renda fixa mais conservadores, como os fundos DI são, sim, em parte arriscados, resgatar o dinheiro é desaconselhável. Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Planejadores Financeiros Pessoais (Abrafip), Francis Hesse, o momento pede cautela.
– Não é hora de mexer nos investimentos. As perdas registradas pelos fundos, na verdade, foram ajustes que trarão mais transparência ao mercado. Os prejuízos serão diluídos ao longo prazo – disse.
Hesse lembra que, ao resgatar o dinheiro, o investidor terá novo prejuízo, desta vez com o pagamento da alíquota da CPMF, que é de 0,38% sobre o valor aplicado no fundo.
O consultor Mauro Halfeld, apesar de aconselhar a manutenção do investimento, vê um cenário onde, para os mais conservadores, o ideal é mesmo sacar os recursos do fundo DI:
– Aquele investidor que não admite perder de maneira alguma e se contenta com uma rentabilidade pequena, como a da caderneta de poupança, deve fazer o resgate. As oscilações, daqui para a frente serão maiores e há chance, mesmo que pequena, de rentabilidade negativa – afirmou.
O consultor ressalta, no entanto, que é possível recuperar os prejuízos mantendo a aplicação nos fundos DI. Além disso, ele lembra que a rentabilidade desses fundos supera a da caderneta de poupança. Para se ter uma idéia, antes das turbulências dos últimos dias, esses fundos costumavam render, em média, 1,35% ao mês. Enquanto isso, a caderneta de poupança rendeu entre 0,63% e 0,75% em maio.
Para Halfeld, no entanto, quem têm para aplicar seis vezes o valor de sua despesa mensal deve mesmo é diversificar os investimentos: um pouco em DI, em fundo de ações e, dependendo do montante, vale até mesmo comprar imóveis. A diversificação também é recomendada pelo consultor Victor Zaremba, autor de livros sobre finanças pessoais. Mas Zaremba, diferentemente de Halfeld, não aconselha investimentos em poupança:
– A caderneta, nos últimos três anos, não superou em nenhum mês a rentabilidade do fundo de renda fixa. Migrar do fundo para a poupança é sair de uma posição defensiva para outra ainda mais defensiva.
Zaremba também desaconselha a compra de dólares, opção feita por alguns investidores:
– O dólar a R$ 2,60 pode já estar caro. É claro que a moeda pode subir ainda mais, mas também pode cair. No ano passado, quem comprou dólar a R$ 2,80 perdeu dinheiro.