China mexe com o câmbio e reflexos |
Pequim (AG) – Pela primeira vez desde 1994, a China desvinculou o yuan do dólar americano para deixá-lo flutuar ligado a uma cesta de moedas de referência, em um novo mecanismo cambial mais flexível e ligado ao mercado. ?O câmbio do renminbi (como os chineses chamam o yuan) será mais flexível, com base nas condições de mercado e com referência a uma cesta de moedas?, dizia o comunicado governamental divulgado ontem, acrescentando que a medida entrou em vigor às 19h locais (8h de Brasília).
Depois de meses de especulação nos mercados financeiros, o Banco Popular da China cumpriu sua promessa e anunciou, de surpresa, a modificação do mecanismo cambial como mais um passo no processo de reforma e abertura do gigante asiático. Pequim atribuiu a medida a seu objetivo de ?estabelecer e melhorar o sistema de economia de mercado e permitir que o mercado desempenhe seu papel na distribuição de recursos?, sem mencionar em momento algum a pressão internacional. Os principais parceiros comerciais da China, principalmente os EUA, passaram meses pressionando o Executivo para que colocasse um ponto final a um mecanismo que, na sua opinião, barateava artificialmente os produtos chineses para aumentar a exportação.
Em várias ocasiões, o presidente do Banco Popular, Xhou Iaochuan, declarara seu desejo de ?transformar gradualmente? o mecanismo cambial do yuan, que não seria apenas uma revalorização, mas uma ?metamorfose? mais profunda do sistema. A partir de hoje, o Banco Popular da China anunciará diariamente o preço das moedas estrangeiras em relação ao yuan depois do fechamento interbancário de divisas, adaptando a paridade central para o dia seguinte.
A autoridade monetária chinesa também anunciou uma apreciação imediata do yuan frente ao dólar, que passa a valer 8,11 unidades, contra 8,28 de máxima permitida na paridade anterior, fixada em 1997.
O yuan poderá oscilar 0,3% para cima ou para baixo do preço de referência frente à cesta de moedas, integrada por um número indeterminado de moedas que o banco não revelou. Essa fórmula, cuja aplicação técnica é difícil, segundo os especialistas, poderia incluir o dólar americano, o euro e o iene japonês, de acordo com as especulações surgidas na imprensa nos últimos meses, já que estes são os três maiores parceiros comerciais da China.
A ligeira flexibilização do controle sobre o yuan sem dúvida vai encarecer os produtos chineses vendidos nos supermercados do mundo inteiro, um preço a ser pago pelos consumidores dos cinco continentes.
A medida, que os EUA pediam há meses por considerá-la chave para reduzir seu déficit comercial, provocou reações em todo o mundo: a Malásia anunciou uma reforma semelhante, o euro avançou e os mercados acionários reagiram.
Segundo analistas, paradoxalmente, os EUA poderiam não ser os mais beneficiados pelo câmbio, já que os problemas estruturais da economia americana serão mais sentidos nos mercados. A China é um dos mais importantes compradores de bônus do Tesouro americano e, a partir de agora, a demanda por esses títulos poderia diminuir, tornando mais difícil financiar seu déficit em conta corrente com os fluxos de capital estrangeiro, no futuro.
?A mudança é pequena, mas muito significativa porque vai permitir a apreciação. Agora, a pergunta é se isso vai realmente abrir caminho para outras apreciações?, disse um analista de mercado.
Greenspan
Em pronunciamento no Congresso nesta quarta-feira, o chairman do Federal Reserve (banco central americano), Alan Green-span, disse que a economia da China iria enfrentar riscos ?muito sérios? se não permitisse a valorização de sua moeda, o yuan.
?Acho que é interesse da China permitir que o yuan suba, em grande parte porque os procedimentos para dar o suporte à moeda requerem que o banco central chinês acumule quantidades muito grandes de treasuries?, disse Greenspan ao comitê de serviços financeiros da Câmara dos Deputados.
Empresário brasileiro ainda teme ?invasão?
A decisão da China de valorizar sua moeda (yuan) não animou os empresários brasileiros. Para representantes de vários setores, a medida é inócua e não impedirá a invasão dos produtos importados da China que já ameaçam a produção de bens de consumo nacionais. ?Foi uma medida muito tímida e que pode ser considerada ineficaz em termos práticos?, disse o diretor de comércio exterior do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), Humberto Barbato.
Para o empresário, a China, além de anunciar que desatrelaria sua moeda do dólar, deveria também ter adotado o câmbio flutuante ao invés de optar pela adoção de bandas de oscilação. ?Esse mecanismo impede a livre flutuação e permite que a variação seja controlada, o que não é bom para o comércio internacional.?
O presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Fernando Pimentel, disse que o efeito dessa desvalorização sobre as importações brasileiras será ?ínfimo?. ?A competitividade da China frente aos produtos brasileiros é enorme. Eles não sofrem com problemas de carga tributária, leis trabalhistas e juros altos que pesam sobre os preços dos produtos brasileiros.?
Para o presidente da Francal (maior feira de calçados do Brasil), Abdala Jamil Abdala, o preço dos produtos chineses é tão baixo que a valorização do yuan não freará as importações brasileiras. ?Eles têm uma mão-de-obra semi-escrava. Essas diferenças de condições de produção são sentidas no preço dos produtos.?
Fiscalização
O presidente da Abrinq (Associação dos Fabricantes Brasileiros de Brinquedos), Synésio Batista da Costa, afirmou que a valorização da moeda chinesa será ineficaz se a Receita Federal não apertar o cerco contra os importadores. ?Existem formas de compensar essa valorização de moeda.?
Segundo ele, essa valorização pode ser compensada por meio do subfaturamento das notas de compras. ?Pode-se subfaturar tanto em valores quanto em quantidade.?
Para Barbato, do Ciesp, essa medida da China chega a ser preocupante.
Todos os empresários foram unânimes em dizer que não só o Brasil, mas produtores de todo o mundo vinham criticando a China por manter por tanto tempo sua moeda desvalorizada de forma fictícia em relação ao dólar. Com isso, o país incentivava a venda de seus produtos para outros mercados com uma moeda subvalorizada.
País caminha para o câmbio flutuante
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, elogiou as alterações promovidas pela China em seu mercado de câmbio. ?A China começa a fazer um movimento no sentido de maior flexibilização dos mercados. O que é positivo para a economia chinesa porque vai permitir menor rigidez na gerência da política cambial chinesa ao mesmo tempo que tira a China de uma vinculação excessiva com uma moeda só, que no caso é o dólar?, disse Meirelles.
Para o presidente do BC, esse é o primeiro passo para que a China promova uma ampla reforma cambial.
O governo da China permitiu a valorização do yuan (moeda corrente do país) em relação ao dólar e que a moeda chinesa será atrelada agora não mais à americana, mas a uma cesta de moedas estrangeiras – que ainda não foi definida.
?O sistema financeiro chinês vai ter que ser preparado para que a China comece gradualmente a se mover em direção a um regime de flutuação cambial, mas não há dúvida de que o mercado chinês está se abrindo?, avalia o presidente da autoridade monetária.
O governo chinês vinha recebendo pressão de seus parceiros comerciais para que deixasse o câmbio flutuar ou, ao menos, valorizar o yuan em relação ao dólar. Os governos europeus e dos EUA, principalmente, se queixavam de que a China mantinha uma desvalorização de cerca de 40% de sua moeda, o que dava uma vantagem desleal aos exportadores chineses, já que o país asiático incentivava a venda de seus produtos para outros mercados com uma moeda subvalorizada.