Caso queira continuar sua expansão como um dos líderes no mercado de exportação de carne, o Brasil deverá banir o uso de antibióticos como fator de crescimento animal a partir de 1.º de janeiro de 2006. A restrição é uma imposição da União Européia (UE), um dos maiores consumidores da carne brasileira, e região onde a preocupação com o surgimento de bactérias resistentes a medicamentos é crescente.
O processo de banir os antibióticos da alimentação animal na UE foi iniciado em 1994, e hoje apenas quatro drogas ainda podem ser utilizadas na dieta de aves, suínos e bovinos. Dois deles deixarão de ser usados a partir de janeiro do ano que vem, e outros dois até o final de 2007. A partir de 2008, nenhum antibiótico promotor de crescimento poderá ser usado na UE.
Segundo Paulo José Rigolin, gerente nacional de negócios da Alltech do Brasil, empresa que produz alimentos para animais, a tendência mundial é que todas as drogas com risco potencial para a saúde humana sejam banidas da criação de animais. Ele explica que é uma mudança drástica não só para Brasil, mas para todo o mundo. "São mais de 20 anos de utilização desse tipo de medicamento", esclarece. Mesmo assim, ele garante que muitos exportadores brasileiros já estão adequados à determinação. "Faz três anos que a UE anunciou essas novas medidas. As empresas já aprenderam que é possível ficar sem os antibióticos e manter um custo parecido com o que têm hoje".
No Paraná, segundo o veterinário Alexandre Jacewicz, assessor de pecuária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (Faep), a maioria dos criadores já parou de utilizar antibióticos na alimentação dos animais cuja carne serve para exportação. "Quem produz carne para o mercado externo normalmente já antevê esse tipo de medida. Mesmo as fábricas de rações e os laboratórios animais no Paraná já estão se adequando."
Jacewicz explica que, no Brasil, o governo também já está se preocupando com os resíduos na carne. "Existe uma determinação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para que os veterinários tomem cuidado na administração desses medicamentos nos rebanhos, para minimizar o risco de isso vir a afetar os consumidores." Segundo João Valdevino, chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipa), do Serviço de Inspeção Federal do Paraná, a legislação brasileira permite a utilização dos antibióticos promotores de crescimento como suplemento, desde que não haja resíduos na carne. "O Brasil possui um Programa Nacional de Controle de Resíduos Biológicos em Carnes (PCRBC), coordenado pelo Mapa, que gere esse assunto. Acredito que brevemente possamos banir esses medicamentos também."
Na prática, como no Brasil os antibióticos ainda não são proibidos, a medida européia pode acabar criando dois tipos de produção: uma para o mercado externo, outra para o mercado interno. "Os grandes criadores estão criando unidades de produção, para os diferentes mercados. Os menores provavelmente terão que escolher se querem exportar ou vender apenas no País", acredita Rigolin.
O veterinário da Faep afirma que não há com que os europeus se preocuparem: violações quanto ao uso de antibióticos serão raras. Além das sanções que as empresas, o Paraná e até mesmo o País podem sofrer, é o tipo de brecha que os concorrentes internacionais adorariam usar para nos prejudicar", afirma.
Alternativas
Uma das saídas que os criadores têm para substituir os antibióticos na alimentação animal é a biotecnologia. Ao invés de matar as bactérias, como fazem os medicamentos, ela utiliza, entre outros, enzimas, açúcares e micotoxinas – que atuam como bactérias benéficas – no tratamento animal. "São produtos naturais com elevada evolução técnica, mas com custos muito parecidos aos dos antibióticos", assegura Rigolin.
Para Jacewicz, outra alternativa é manter um bom nível de nutrição para os rebanhos e incrementar o manejo, para que não seja preciso recorrer aos antibióticos. "Mas até os produtores se adaptarem, as alternativas podem sair mais caras que o sistema com as drogas."
Consumidor tem medo da chamada "superbactéria"
A proibição do uso de antibióticos para promoção do crescimento animal no Velho Continente não partiu dos governos, mas sim dos consumidores, que, com o impacto do surgimento da doença da vaca louca e da gripe asiática, exigem cada vez mais ações de controle sanitário na carne que consomem. "A pressão para essa medida vem de quem compra a carne. São as pessoas que querem alimentos sem rastros de medicamentos. Caso o consumidor brasileiro tome consciência desses riscos, uma mudança como essa pode acontecer no País", afirma Rigolin, da Alltech.
Para o gerente, caso o preço da carne aumente por causa dessas determinações, o custo acabará sendo pago pelo mercado europeu. "Eles não se importam em pagar mais se estiverem consumindo um alimento de qualidade e, principalmente, seguro."
Funcionamento
Alexandre Jacewicz, veterinário da Faep, explica que os antibióticos utilizados como promotores de crescimento funcionam inibindo certas bactérias que prejudicam o desenvolvimento do animal. "O que pode acontecer é que, se consumida por muito tempo, a carne pode deixar resíduos no corpo humano, aumentando a resistência de bactérias a antibióticos", explica.
Não existe prova científica de que os resíduos de antibióticos encontrados na carne se acumulem no corpo humano e possam criar bactérias resistentes, mas a legislação da UE adota o que os europeus definem como princípio da precaução. Além disso, o risco das superbactérias pode estar nos próprios animais. Nos países desenvolvidos, 60% das infecções hospitalares devem-se a micróbios que resistem a medicamentos, como o Enterococcus resistente à vancomicina (VRE). O VRE é um exemplo de bactéria resistente que aparece nos animais e que pode já ter migrado para os humanos fora dos hospitais.
A UE foi pioneira em tratar dessa preocupação, quando? em 1991, proibiu os antibióticos ionóforos para utilização na pecuária leiteira, que a partir de 2006 não poderão também ser utilizados na pecuária de corte. Essa mesma classe de antibióticos está proibida para uso em vacas leiteiras nos Estados Unidos. A administração contínua nas vacas deixa resíduos no leite. O Brasil ainda não restringe a utilização de ionóforos na pecuária leiteira nem na de corte.
Isso significa que há possibilidade de resistência a antibióticos usados na saúde humana, principalmente em crianças, que são os maiores consumidores das proteínas do leite e que ainda estão desenvolvendo seu sistema imunológico.
"Se considerarmos apenas os riscos à saúde humana, são pequenas as vantagens do uso dos antibióticos promotores de crescimento. Os produtores não perdem nada com seu banimento", diz Rigolin.