Foi logo após o 7 a 1, no estádio do Mineirão, que a Santa Casa de Belo Horizonte fechou 15 de seus 170 leitos da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Já se passou outra Copa, mas os leitos nunca mais foram abertos. A Santa Casa é um dos hospitais filantrópicos de Minas Gerais que atendem pelo SUS e, por isso, dependem dos pagamentos do governo do Estado. Em grave crise fiscal, porém, o Estado deve hoje cerca de R$ 1 bilhão a essas instituições, de acordo com a federação dos hospitais filantrópicos de Minas.

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“Para internar ali, tenho de ter certeza de que vou receber o pagamento”, diz o diretor de finanças do hospital, Gonçalo Barbosa. “Na Copa passada, havia dinheiro. Os leitos foram abertos para dar retaguarda.”

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A saúde é a área que mais vem sofrendo com o caos financeiro em que o Estado mergulhou, como admite o próprio secretário da Fazenda de Minas, José Afonso Bicalho. Uma combinação de crise econômica, que freou a arrecadação, com explosão da folha de pagamentos levou Minas à crise fiscal atual, que já se assemelha à do Rio à do Rio Grande do Sul.

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No ano passado, a arrecadação de Minas ficou em R$ 57 bilhões, enquanto a folha de pagamentos somou R$ 49,9 bilhões, o equivalente a 87,5% da receita tributária total. O gasto com os inativos já representa 68% do total pago aos ativos. O Tribunal de Contas do Estado já emitiu, no início deste ano, dois alertas ao governador Fernando Pimentel (PT) por extrapolar limites de despesa com pessoal e com a dívida do Estado.

Desde 2009, a folha de pagamentos aumentou 163%. O pagamento de inativos avançou num ritmo ainda mais acelerado: 233%. No mesmo intervalo, as receitas subiram 114%.

“Hoje, até o Rio está melhor que Minas, porque aderiu ao programa de recuperação fiscal do governo federal”, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Segundo ele, o déficit da Previdência em Minas aumentou quase 300% em dez anos e atingiu R$ 16 bilhões em 2017. A economista Ana Carla Abrão, ex-secretária da Fazenda de Goiás em 2015 e 2016, vê em Minas o mesmo grau de colapso do Rio. “A população vai sofrer daqui para frente, porque vai piorar.”

Com o orçamento comprometido, os serviços básicos do Estado começaram a falhar. Faz dois anos que os servidores recebem seus salários parcelados em até três vezes e, desde o começo deste ano, os estudantes vivem num vai e vem de aulas: cada vez que o pagamento atrasa mais do que o normal, os professores entram em greve. Nos hospitais filantrópicos, já faltou até itens básicos, como soro.

No maior pronto socorro de Minas, o Hospital João XXIII, os médicos estão em greve, só atendem emergências. Eles reivindicam melhorias em infraestrutura e contratação de mais profissionais. No local, também há seis leitos de UTI desativados, de um total de 48. Falta desde material para cirurgia oftalmológica a tomógrafo. “Temos de escolher quem vai para a UTI ou quem vai ser tratado primeiro”, diz a médica Daniela Foscolo, de 40 anos. Ela trabalha no João XXIII há oito anos e conta que, nos últimos quatro, a falta de materiais e a deterioração das edificações se acentuou.

Com a greve no hospital, os médicos aconselham os pacientes a procurarem a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima, que acabou ficando sobrecarregada. O Estado esteve no local no dia do jogo do Brasil contra a Sérvia, na primeira fase desta Copa. Quando Paulinho marcou o primeiro gol da seleção, a auxiliar de serviços gerais Keila Souza, de 28 anos, não ergueu a cabeça nem para assistir o replay da jogada. Com forte dores abdominais, fazia quatro horas e 15 minutos que ela aguardava por atendimento médico. Ela só saiu da UPA às 19h10. “Vim aqui há duas semanas, também com dor na barriga. Cheguei às 10h e fui atendida às 17h.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.