A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (10) o texto-base de um projeto que tem sido chamado de minirreforma trabalhista, por criar novas modalidades de contratações e mudar normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O placar foi 304 votos a favor, e 133 contrários.

continua após a publicidade

Os deputados ainda irão analisar nesta semana sugestões de mudanças no texto já aprovado. Por isso, a votação ainda não foi encerrada. Depois dessa fase, o projeto seguirá para o Senado.

Inicialmente a proposta enviada pelo governo, em abril, tinha 25 artigos. O objetivo era prorrogar o programa emergencial de corte de jornada e de salários de trabalhadores da iniciativa privada, que foi criado por causa da crise da covid-19. Isso ocorreu por meio de uma MP (medida provisória).

A versão aprovada pela Câmara tem 96 artigos, cria três novos programas trabalhistas, defendidos pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), e torna permanente o programa de corte de jornada a ser acionado em situação de calamidade. De forma geral, os novos programas permitem contratações com regras mais flexíveis.

Não é minirreforma?

continua após a publicidade

O relator da MP, deputado Christino Áureo (PP-RJ), nega que a proposta seja uma minirreforma trabalhista. Integrantes do governo dizem que o objetivo é estimular a geração de empregos e a entrada de jovens no mercado de trabalho. Em nota, entidades do Ministério Público, como a ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho), se posicionaram contra modificações feitas pelo Congresso.

O primeiro programa trabalhista previsto no projeto é o Requip (regime de qualificação profissional). A medida é voltada para pessoas entre 18 anos e 29 anos, ou desempregadas há mais de dois anos, ou beneficiários de programas federais de transferência de renda.

continua após a publicidade

Esse regime vinha sendo prometido por Guedes. O contrato para a prestação de serviços ou trabalho eventual na empresa não poderá exceder 22 horas semanais, e precisa estar vinculado a um curso de qualificação. O curso pode ser ofertado pelo Sistema S ou pelo patrão.

Revolta

Um colegiado de organizações do Brasil (Fórum de Aprendizagem Nacional) manifestou repúdio aos artigos 60 e 66 de Medida Provisória e que pecariam o emprego para os jovens. Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União também manifestou repúdio à medida

O Fórum afirma que o “jovem em situação de vulnerabilidade ou risco social incluído no Requip não terá vínculo de emprego com o estabelecimento, não terá direitos trabalhistas e previdenciários, não terá salário, não 2/18 terá proteção social, mas será contabilizado para efeito de cumprimento da cota obrigatória de aprendizagem”

A nota diz ainda que “o REQUIP é uma precarização da política pública da Aprendizagem Profissional, mas com o risco real e iminente de que venha a substituí-la. As semelhanças nas estruturas dos dois programas não deixam dúvidas de que se trata de mais uma tentativa de redução de custos das empresas às custas da diminuição da qualidade e da efetividade do direito à profissionalização de adolescentes, jovens e pessoas com deficiência”.

Ainda segundo o Fórum, “o artigo 66 é ostensivamente preconceituoso, elitista, excludente e discriminatório, considerando as pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social como uma categoria inferior de pessoas, de quem podem ser retirados os direitos trabalhistas e previdenciários por meio de um programa que incentiva sua contratação precária para a substituição da cota de aprendizes contratados pelas regras celetistas”.

Já o CNPG diz que “a iniciativa cria uma modalidade de trabalho totalmente à margem da legislação trabalhista e, portanto, precarizante, que, em princípio, vigorará por prazo determinado (três anos) e se destina, essencialmente, ao público jovem, entre 18 e 29 anos, em clara discriminação negativa em função da idade. A nova modalidade também caracteriza inadmissível retrocesso social, reduzindo o patamar civilizatório já alcançado com a proteção trabalhista e previdenciária que oferece a relação de emprego”.

“Isso é muito prejudicial para o próprio jovem, pois ele não precisaria cumprir nada e não teria um emprego qualificado, com uma remuneração digna e direitos. Não precisaria estudar nem receber formação”, afirma o presidente do Conselho Diretor da GERAR (entidade que atua com a aprendizagem), Francisco Essert.

Essert destaca que a Aprendizagem é uma modalidade séria de contratação que, além de dar a oportunidade do primeiro emprego aos jovens, os prepara para o futuro, ao oferecer formação técnica e humana. E nada disso estaria contemplado com o Requip.

Outras mudanças

O plano prevê a criação do BIP (Bônus de Inclusão Produtiva) e do BIQ (Bônus de Incentivo à Qualificação), ambos pagos ao trabalhador em treinamento. Com isso, o valor recebido seria de R$ 550 por mês. O BIP, pelo desenho, será pago pelo governo. Já o BIQ seria a parcela da empresa.

Diante da dificuldade de encontrar um formato para pagar o BIP, a versão aprovada nesta terça permite que o valor do bônus seja descontado pela empresa na hora em que for pagar contribuições sociais ao Sistema S.

Assim, a parcela da União (BIP) seria na forma de redução de encargos trabalhistas para os patrões. A compensação é limitada a 15% das contribuições sociais obrigatórias. Isso deve representar cerca de R$ 1 bilhão por ano para o programa.

Numa versão preliminar do relatório de Áureo, foi sugerido um corte de 30% nos recursos do Sistema S para financiar esse programa. Mas o governo e o deputado tiveram que recuar diante de críticas no Congresso.

O texto-base aprovado prevê também recursos da União, do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para bancar o programa.

A duração desse programa deve ser de três anos, mas os contratos devem ser de 12 meses, podendo ser prorrogado por mais um ano. Haverá um recesso de 30 dias se o contrato for renovado, e o trabalhador receberia o bônus no período.

A segunda modalidade trabalhista a ser criadas pelo projeto é o Priore (Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). Ele é destinado a jovens de 18 a 29 anos com primeiro registro na carteira de trabalho e pessoas com 55 anos ou mais e que estejam sem vínculo formal de emprego há mais de 12 meses.

Nesse tipo de programa, haverá uma redução do recolhimento para o FGTS dos empregados. A alíquota mensal, que normalmente é de 8%, cairia para 2% (no caso de microempresas), 4% (empresas de pequeno porte) e 6% (demais empresas).

O objetivo é cortar custos para o patrão contratar jovens. Por outro lado, os novos trabalhadores recebem menos na conta do FGTS por um período.

Pelo texto, a remuneração nesse contrato não pode passar de dois salários mínimos (R$ 2.200). Essa modalidade deve ser feita exclusivamente para novas vagas.

O contrato do Priore será celebrado terá duração máxima de 24 meses. Se esse período for ultrapassado, será convertido automaticamente em contrato por prazo indeterminado.

Direitos como o 13º salário e férias estão mantidos nesse programa. Os contratados via Priore terão prioridade para participar de ações de qualificação profissional e, assim, receberiam o BIP.

O terceiro novo tipo de contratação foi pedido por Onyx. É o Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário, também com foco em jovens de 18 anos a 29 anos, além de pessoas acima de 50 anos.

O programa permite que prefeituras possam contratar temporariamente pessoas para serviços e, em troca, pagar uma remuneração que não pode ser inferior ao salário-mínimo hora (cerca de R$ 5). A União poderá ajudar nesse pagamento, em até R$ 125 por mês.

Segundo o projeto, as prefeituras não podem realizar esses contratos temporários para atividades de profissões regulamentadas ou de cargos e empregos públicos.

“Na verdade o que está medida provisória está se transformando é numa minirreforma trabalhista, precarizando ainda mais os direitos dos trabalhadores”, disse o deputado Rogério Correia (PT-MG).

O relator afirmou que o objetivo é dar condições de emprego a pessoas que hoje não estão no mercado de trabalho. “As medidas aqui propostas são o encadeamento da possibilidade de retomada da economia”.

A proposta também altera pontos da CLT, como as regras de quem tem direito à justiça gratuita. O projeto deixa os critérios mais claros, como, no caso de família de baixa renda, valerá para remuneração familiar mensal de até 3 salários mínimo (R$ 3.300). Pontos sobre fiscalização trabalhista também são alterados na versão aprovada pela Câmara.