Os problemas climáticos dos últimos anos e o risco para o futuro, a incerteza em relação ao tamanho da produção de café nos próximos anos e os desafios da sustentabilidade têm gerado debates sobre a cultura, especialmente em Minas Gerais, principal produtor do país.
Além das preocupações com o que virá pela frente, os atuais preços do café para o consumidor final geram o receio de estagnação no consumo.
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Resolver todos os dilemas que envolvem a cadeia cafeeira foi tema de discussões na SIC (Semana Internacional do Café), feira que reuniu em Belo Horizonte 20 mil pessoas, das quais 3.000 produtores de todo o país.
Nos três dias do evento, ao menos oito discussões nos vários auditórios do Expominas trataram de temas como geração própria de energia na cafeicultura, gestão de recursos hídricos, ESG, bem-estar no campo, produção orgânica e eficiência no uso de recursos naturais, inclusive com um fórum sobre o tema, dividido em painéis.
O temor apontado pelo mercado é que as severas intempéries climáticas que têm atingido a cultura no Brasil nos últimos anos se tornem permanentes, fazendo com que a oferta de café seja reduzida com o passar dos anos, numa curva inversa à do crescimento populacional.
Se isso ocorrer, o café pode acabar se tornando um artigo de luxo. Em 2022, o setor percebeu que há um limite para o aumento de preços, que hoje está perto de R$ 30 o quilo para o consumidor final, na avaliação de Rodrigo Mattos, analista sênior da consultoria Euromonitor.
Palestrante de um painel com atualizações do mercado global e brasileiro acompanhado pela Folha de S.Paulo, Mattos disse que, além de crises na economia, global ou interna, o café tem o “aditivo” de ser um produto agrícola.
“Ele está também numa crise climática, vivendo essa crise, essa modificação climática muito intensa de estar causando instabilidade muito grande no mercado. A gente teve um pico do preço do café commodity alguns meses atrás, agora ele caiu, mas pode aumentar porque a gente tem geada, granizo ocorrendo em novembro, o mercado está cada vez mais difícil de ter previsão”, disse ele no evento.
Com o agravamento da crise climática entre meados de 2021 e os primeiros meses deste ano, o preço do café aumentou quase 60%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
“Ele começa nesse momento de alta de inflação de cafés a fazer, eu não diria exatamente uma tradeout [troca], apesar de sim ele buscar marcas mais baratas. Nesse contexto ele [consumidor] faz uma diminuição no seu ticket médio, então ele está literalmente consumindo menos café, esse é o pior cenário que a gente poderia ter”, disse o analista da Euromonitor no evento cafeeiro.
E, se houver crise acentuada no café, haverá crise para os produtores de Minas Gerais, maior produtor brasileiro e estado em que os cafeicultores têm enfrentado períodos de quedas na produtividade por conta dos fatores climáticos. E não há, em curto prazo, um futuro promissor.
Segundo dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas, a cafeicultura sofreu com seca e geada ao longo do ano passado, quando colheu 21,45 milhões de sacas de café, e projeta um 2023 já com impactos como a identificação de déficit hídrico em algumas regiões produtoras.
Em 2022, apesar dos problemas, houve ligeira alta, com 22,03 milhões de sacas. A cultura é praticada em 451 cidades de Minas.
O aquecimento global é uma ameaça principalmente para o café arábico brasileiro, que se adapta mais facilmente a regiões mais frias, como as existentes em Minas Gerais, e é mais sensível que o canéfora -cultivado em estados como Espírito Santo e Rondônia e mais resistente ao calor.
“Não tem como a gente pensar em crescer, evoluir, com os desafios climáticos que nós temos, e não é de agora […] É uma coisa que realmente tem nos impactado diretamente e, para isso, a gente tem melhoramento genético com genes mais tolerantes a clima e altas temperaturas”, disse Marcos Matos, diretor geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).
De acordo com ele, há várias formas para tentar mitigar os impactos climáticos, e elas passam ainda pelas boas práticas na agricultura e na logística do país. “Temos também a logística para discutir, os nossos portos, que não estão condizentes com as tendências globais. A gente tem visto os navios crescendo, chegando a 23 mil, 24 mil contêineres. E quando um navio maior entra em Santos para tudo.”
Lançamentos
Em meio a essas discussões, marcas apresentaram produtos e assinaram acordos ligados ao tema na feira internacional.
A Yara, que atua no setor de nutrição de plantas, assinou com a Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo e sediada em Guaxupé (MG), uma parceria para estudar a viabilidade do fornecimento de fertilizante verde.
O objetivo é descarbonizar a cadeia e oferecer ao consumidor uma escolha mais sustentável, já que o insumo é produzido com baixa emissão de carbono.
Já a Nespresso lançou dois cafés orgânicos, produzidos em 78 fazendas de três regiões mineiras e da Alta Mogiana (SP), após três anos de acompanhamento das lavouras.
“É muito em linha com a nossa estratégia de sustentabilidade de promover uma agricultura mais regenerativa, com menor impacto em relação a pegada de carbono, por exemplo, e o orgânico é um dos primeiros passos que a gente está mostrando para o mundo desse caminho”, disse Cecilia Soares, gerente de sustentabilidade da marca.
Já a Nescafé lançou um café especial (com notas sensoriais de frutas secas, melaço e rapadura) denominado café social, com lucro revertido para o próprio projeto, parceria com duas consultorias e jovens agricultores da Chapada Diamantina (BA).
“Isso não é somente uma obrigação, é uma vontade, porque nós podemos transformar vidas através das coisas que nós fazemos […] Temos isso em várias áreas e uma das melhores formas de fazer isso não é filantropia, é como nós podemos contribuir para melhorar o nosso modelo de negócio e é isso que nós estamos fazendo aqui. É o que nós chamamos de criação de valor compartilhado”, disse Marcelo Melchior, CEO da Nestlé Brasil.