Foi por acaso que o cearense Rocelo Lopez, de 45 anos, ficou milionário. Dono de uma empresa de tecnologia, ele aceitou, em 2013, a oferta de um cliente que queria quitar suas dívidas de uma forma nada convencional: pagaria tudo, mas com uma moeda até então desconhecida, a bitcoin. “Era pegar ou largar. Eu decidi pegar e guardar”, conta. De lá para cá, essa moeda teve uma valorização de 21.000%. Só nos últimos 12 meses, foram 1.300%.
Nenhum outro investimento formal conseguiu essa proeza, o que provocou um frenesi em torno da novidade por parte de investidores e levantou um alerta sobre o risco de uma bolha, por parte das autoridades monetárias. A bitcoin é uma moeda que não existe no mundo físico, como as notas que carregamos na carteira. As transações não passam por bancos centrais nem por qualquer entidade regulatória. É tudo virtual.
Rocelo Lopez gostou da novidade e, ao tentar entender os meandros desse instrumento financeiro, descobriu que o dinheiro pesado viria não da compra e venda das moedas virtuais, mas da “produção” delas. É o que ele faz hoje no Paraguai.
A emissão de bitcoins é um processo industrial, de uso intensivo de energia elétrica, ainda não regulamentado em nenhum país. Lopez cruzou a Ponte da Amizade para reduzir custos, em busca de uma conta de luz mais barata, e acabou abrindo caminho para uma nova leva de jovens empresários brasileiros que atravessaram a fronteira para fabricar bitcoins.
Equações
Essa “produção” é feita por supercomputadores, equivalentes a seis videogames de última geração cada um, que realizam cálculos matemáticos de alta complexidade em milésimos de segundos. Juntas, as máquinas estão ligadas a uma espécie de rede paralela na web. Tudo isso foi desenvolvido em 2009 por um programador anônimo de computação. Ele estabeleceu em seus códigos computadorizados que, a cada dez minutos, o software da bitcoin lança uma equação matemática diferente na internet. O computador que desvendar primeiro a fórmula é recompensado com um lote de preciosos 12,5 bitcoins.
Hoje, cerca de um milhão de máquinas funcionam ininterruptamente emitindo 3,6 mil novas unidades de bitcoins todos os dias e consumindo 30 terawatts por hora (Twh) de luz elétrica, mais do que um país como a Irlanda ou a Dinamarca. Segundo dados da empresa britânica Power Compare, o volume de eletricidade que já foi utilizado para colocar no mercado o estoque atual de bitcoins equivale ao consumo de 159 países por ano.
Como todo produto, a viabilidade da moeda virtual depende do custo-benefício de sua fabricação. Para os brasileiros que estão hoje dedicados a essa atividade, o valor da conta de luz é o que mais pesa no bolso. Por isso, o Paraguai virou uma alternativa para alguns deles.
Antonio Lin, dono de uma fábrica com 350 máquinas, conta que o custo operacional pode ser quase dez vezes mais baixo no Paraguai em comparação com o Brasil. “Uma máquina custa de US$ 2 mil a US$ 5 mil e, trabalhando, consegue se pagar em quatro meses, dependendo da cotação do dólar e do bitcoin. Mas a conta de luz, se for cara, coloca tudo a perder”, diz.
Um quilowatt custa para os fabricantes de bitcoin US$ 0,04 no país vizinho. No Brasil, o preço da energia mais barata é sete vezes maior, em torno de US$ 0,28. Essa diferença se dá porque o Paraguai ainda é superavitário em eletricidade.
Primeiro a se instalar em Ciudad del Este, Rocelo Lopez produz 8,3 bitcoins por dia, o que rende, segundo ele, um faturamento bruto de R$ 14,5 milhões por mês. Hoje ele tem seis mil máquinas em um espaço de 750 metros quadrados. Elas consomem, por mês, 10 megawatts de energia, equivalente a 2 mil casas paraguaias – média calculada com base nos dados da Ande, a estatal responsável pela distribuição de eletricidade no país. “Apesar de ser um negócio rentável, a bitcoin é uma moeda volátil. Temos de economizar bastante para não correr o risco de perder dinheiro”, afirma. Antes do Natal, em 24 horas, a moeda sofreu uma desvalorização de 25%, com uma onda inesperada de vendas.
Hoje, três grandes operações de mineração estão em atividade na Ciudad del Este. Elas dividem um mesmo condomínio industrial a cerca de 20 km do lado brasileiro da Ponte da Amizade. A localização exata é guardada sob sigilo pelos empresários, que temem principalmente pela segurança, além de receios com relação a espionagem industrial.
Sigilo
Esconder uma fábrica de bitcoin, entretanto, é uma tarefa difícil. O barulho do sistema de ventilação das fontes de energia e o estalo dos HDs podem ser ouvido a um quarteirão de distância. As fábricas também operam sob forte calor e o respiro dos galpões improvisados no teto e nas paredes entregam que, ali, as supermáquinas estão em atividade. Com empresários jovens, sem formação industrial e ainda sem o domínio das principais tecnologias de refrigeração, a temperatura no interior de uma fábrica de bitcoin pode facilmente ultrapassar os 50°C.
“É um inferno lá dentro”, diz Thiago da Silva Rodrigues, que tem 100 máquinas em operação em um espaço locado dentro da empresa de Rocelo, mas está preparando um galpão para instalar cerca de mil computadores. “O calor é sufocante, é difícil trabalhar”, diz Fernando Zanatta, outro empresário do ramo. As máquinas de bitcoin operam com uma fonte de alta rotação, que gera calor. “Se colocar ar-condicionado, o oxigênio condensa no teto da empresa e a água vai cair em forma de chuva aqui dentro. Vamos queimar todas as máquinas”, diz Antonio Lin.
Para não contratar profissionais especializados e correr o risco de ter seus segredos desvendados, os brasileiros que foram “fabricar” bitcoins no Paraguai lançaram mão de soluções caseiras e improvisadas para amenizar problemas como o da temperatura: criaram um túnel de vento com uma parede de radiadores refrigerados e fizeram buracos no teto para a troca de ar, por exemplo. Nenhum deles tem formação para lidar com um processo fabril do porte que a atividade de emissão de moedas virtuais exige. São programadores, administradores de empresas e cientistas da informação que mudaram de rumo para apostar no bitcoin.
Em meio aos altos e baixos desse novo mercado, a empreitada no país vizinho parece estar dando certo para esse grupo de brasileiros. Pelo menos por enquanto, eles têm desfrutado de uma vida de milionários na Ciudad del Este. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.