O governo brasileiro quer fechar em 2010 um acordo de cooperação econômica e comercial com a administração de Barack Obama. A sinalização é do chanceler Celso Amorim, hoje em Genebra, às vésperas da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), que começa amanhã esvaziada e com uma entidade em pela crise.

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Apesar da aproximação, o chanceler criticou a “ganância” dos Estados Unidos na negociação da Rodada Doha e defendeu, ao lado dos países emergentes, uma nova reunião negociadora para março.

Amorim alertou que o fracasso seria um obstáculo até para o acordo climático, que se negocia em duas semanas, e pela primeira vez ainda falou na possibilidade de incluir temas sociais nos acordos da OMC, algo que era firmemente rejeitado pelo Brasil no passado.

Já o representante de Comércio da Casa Branca, Ron Kirk, insistiu que o Brasil terá de abrir seu mercado para que um acordo seja concluído na OMC. Amorim e Kirk se reuniram hoje em Genebra e o chanceler brasileiro deixou claro que não há qualquer previsão de que o acordo de cooperação bilateral signifique uma redução de tarifas de comércio entre os dois países. Nesse ponto, a agenda bilateral está emperrada.

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Na pauta do acordo de cooperação estariam temas como a promoção de investimentos, facilitação de comércio entre os dois países, acordos de cooperação na área tecnológica entre empresas, propriedade intelectual, um entendimento no campo do etanol e área fitossanitária, inclusive para desbloquear as exportações de carne bovina do país para os Estados Unidos.

Amorim não descarta ainda incluir no acordo um tratado para evitar a bitributação. “Achamos que o acordo pode sair em 2010”, disse o chanceler, após a reunião do Kirk. “Eles tem muito interesse em estruturar a relação com o Brasil e nós também queremos”, afirmou.

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O acordo já foi tratado em setembro entre os dois países. Mas agora começará a ganhar forma em dezembro. O último acordo envolvendo Brasil e Estados Unidos é ainda do início dos anos 90.

Doha – Apesar de ensaiar a aproximação, Amorim fez duras críticas contra o comportamento da Casa Branca nas negociações da Rodada Doha. “É surpreendente que o Partido Democrata ainda tenha uma velha agenda republicana de obter vantagens extras no comércio e para beneficiar alguns poucos trabalhadores”, afirmou Amorim, em relação aos subsídios e proteção comercial existentes nos Estados Unidos para alguns setores. “Esses são objetivos gananciosos”, afirmou, defendendo que Obama passe a ver o impacto social de sua política comercial.

Ministros de todo o mundo desembarcaram neste fim de semana na Suíça para uma reunião da OMC que todos admitem estar esvaziada. Até as conclusões do encontro já estão desenhadas: apelar pela conclusão da Rodada em 2010, lutar contra o protecionismo e pensar em formas de fazer a entidade mais eficiente.

Mas, em diversas reuniões hoje, os países emergentes chegaram à mesma conclusão: a culpa pelo fracasso da Rodada Doha lançada em 2001 seria de Obama que, desde que assumiu, não deu qualquer demonstração de flexibilizar sua posição.

O nome de Obama não foi citado por ninguém de forma clara. Mas está na mente e no documento aprovado por todos os países emergentes. “Há um país em particular que faz com que as negociações sejam lentas”, afirmou Amorim. O G-20, grupo formado por exportadores de produtos agrícolas, foi o primeiro a se pronunciar e voltou a pedir o fim da Rodada no ano que vem.

Em uma declaração negociada entre os governos como o Brasil, Índia e China, a opção foi apontar o dedo à administração de Obama pelo fracasso do processo na OMC, ainda que sem citar nomes.

Washington, com uma crise sem precedentes, duas guerras, um pacote de saúde a ser negociado e desafios nos temas de meio ambiente, já deixou claro que o comércio não é sua prioridade. Kirk voltou a afirmar à Amorim que a data de 2010 era um objetivo de Obama. Só não disse como faria para chegar ao resultado positivo.

“Teatro de sombras” – Mas o Brasil acusa a Casa Branca de estar usando estratégias para retardar a negociação, fazendo novas exigências de abertura nos mercados emergentes que já saberiam não seriam aceitas.

A assessoria de imprensa de Kirk insistiu que caberá ao Brasil fazer novas concessões, mais especificamente de 3 mil linhas tarifárias. O Itamaraty respondeu pedindo a abertura do mercado americano para o etanol, suco de laranja e açúcar.

“Não houve progresso nas negociações bilaterais. Eles (americanos) não dizem o que querem exatamente. Apenas que dizem que querem mais e isso é algo que incomoda”, disse Amorim. O chanceler classificou as reuniões bilaterais como um “teatro de sombras” por parte dos americanos para adiar as negociações.

O problema, segundo Amorim, é que o fracasso em Doha terá um impacto até mesmo no acordo climático e na capacidade do mundo de lutar contra a pobreza. “Como é que os países ricos querem que os pobres se adaptem ao desafios climáticos se sua renda continuar a cair e não poderão exportar”, questionou.

“Quando vemos os países ricos adiando o fim da rodada para garantir mais lucros, eles estão se esquecendo dos demais países”, alertou. Sua avaliação é que, diante dos sinais de recuperação da economia mundial, governos precisariam se engajar em concluir a Rodada em 2010.

Questões sociais – Amorim, em um discurso ainda na Organização Internacional do Trabalho (OIT), admitiu ainda pela primeira vez que questões sociais entrassem nos acordos comerciais.

A posição é uma reviravolta na estratégia brasileira. Por anos o Brasil recusou a inclusão de cláusulas sociais nos acordo comerciais. O temor era de que isso significasse barreiras aos produtos brasileiros em setores que tivessem problemas em questões trabalhistas.

Tanto americanos como europeus chegaram a citar a necessidade de cláusulas trabalhistas como forma de punir setores em países em desenvolvimento. “Acho que agora podemos falar em algo do estilo, desde que não seja estabelecido como algo protecionista, como foi no passado”, disse.

Sua ideia é a de ter alguma citação aos temas sociais e trabalhistas em um eventual acordo final de Doha, dando bases para uma nova negociação para o futuro. “Vamos ter eventualmente de convergir os temas sociais e comerciais”, afirmou.