Na avaliação do governo brasileiro, a liberalização do comércio mundial é inevitável, porém há pontos que não podem ser deixados de lado num acordo. “Existem itens que o Brasil quer ver negociados dentro da Alca, como os subsídios agrícolas, e os EUA querem que seja tratado na OMC. Para nós, isso não é aceitável. A Alca tem que negociar tudo o que tenha aplicabilidade no continente, não é transferível”, afirma Sergio Couri, chefe do escritório de representação do Ministério das Relações Exteriores no Paraná.
“Tudo é uma questão de quanto podemos negociar, de o Brasil conseguir reunir os países vizinhos. Nosso trabalho é de persuasão dos vizinhos continentais e dos EUA”, comenta. Para conseguir êxito em seus objetivos na Alca, o País está retomando a idéia de negociar dentro do Mercosul com os EUA. “O Mercosul é uma realidade que está tomando novo impulso com a recuperação da Argentina. A negociação em bloco nos fortalece”, avalia Couri. Para o Itamaraty, existem itens sensíveis na negociação que não podem ser abandonados por outras discussões, como subsídios, mercado de serviços e compras governamentais. “Todos os pontos afetados por um mercado ampliado, com redução de tarifas, devem entrar no balaio de negociações. Temos que esperar a reação norte-americana às postulações brasileiras”, diz Couri.
De acordo com o diplomata, o Brasil não está procurando criar obstáculos para que o cronograma se adie. “Não quer dizer que o acordo deve ser fechado a qualquer preço. Esperamos que uma série de pontos esteja esclarecida e haja consenso até 2005. A condição para assinar o acordo é que as arestas estejam aparadas até lá”, ressalta.
Impactos
Couri concorda que nem todos os setores saem ganhando com a área de livre comércio. “Os efeitos da Alca devem ser analisados caso a caso, indústria por indústria, produto por produto. No Canadá, houve comunidades que fecharam fábricas e perderam empregos com o Nafta, enquanto outras aumentaram. A argumentação dos favoráveis à integração é que os prejuízos de quem perde são menores do que os ganhos de quem ganha”, expõe.
Para o Paraná, as perspectivas são bastante favoráveis, analisa Couri. “A economia do Paraná funciona com índices de eficiência e produtividade. Num mercado ampliado é isso que importa. Se continuar com esse desempenho positivo, o Paraná não tem nada a perder com a Alca.” O diplomata frisa que a integração de mercado é uma tendência mundial, “com a Alca ou com outra entidade”. “É um fenômeno do capitalismo moderno. Nesse caso, as empresas do Paraná não perdem nada se anteciparem os fatos, participando e trazendo missões empresariais e prospectando novos mercados. No contexto da integração de mercado, aqueles que conseguirem se antecipar colherão os melhores frutos.”
De acordo com Couri, quem poderia perder mercado, pode mudar a escala operacional e competir de maneira eficaz. “Um setor que tem a ganhar no Paraná é o de transportes, que tem vantagens competitivas naturais. O Paraná tem um corredor viário importante e o Porto de Paranaguá, que se torna uma excelente alternativa de exportação para Paraguai e os outros países dessa parte do continente. Para as pequenas empresas, uma forma de se tornarem competitivas é organizar cooperativas ou consórcios”. (leia mais sobre o assunto na página 12).
Industriais cobram mudanças
Apesar de vislumbrarem um cenário positivo com a implantação da Alca, os empresários industriais paranaenses entendem que não há outra maneira de o País se tornar competitivo na economia globalizada se não houver mudança na cultura de gestão das empresas, modernização do sistema tributário e do sistema financeiro. “Do contrário as empresas brasileiras saem em desvantagem”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Rodrigo Rocha Loures.
Ele opina que o Brasil já deveria ter passado por esse processo, “para estarmos mais consolidados para o que virá. Agora, no curto prazo, é urgente implantar essas mudanças senão vamos pagar um preço alto daqui a 10 anos”. Na visão do presidente da Fiep, a Alca é “nitidamente uma iniciativa do governo dos Estados Unidos, há uma determinação muito clara de fazer acontecer dentro do cronograma previsto, para funcionar a partir de janeiro de 2005”. Para Loures, a questão não está em saber se é conveniente ou inconveniente para o Brasil. “Vai acontecer e o Brasil não pode deixar de interagir com essa realidade.”
Em relação ao protecionismo agrícola, ele considera que não há escapatória para o Brasil: “da maneira como os Estados Unidos estão determinados em relação a este assunto o Brasil tem que negociar, não tem escolha. Temos que tirar o melhor proveito das circunstâncias, da forma como elas estão”. Loures destaca, no entanto, que entre as lideranças e instituições de representação empresarial já há entrosamento. “É preciso estruturar e articular alianças para influir nas negociações e na estratégia de transição para implementação da Alca”, aponta.
Na avaliação do presidente da Fiep, poucos setores da economia brasileira saem ganhando com a Alca, “do jeito como está a economia brasileira, com este regime fiscal e de juros”. “Mesmo que aparentemente um setor ganhe no início do processo, a medidas que outros setores estiverem enfraquecidos vão colocar em risco o sistema de forma geral. Por isso é necessário modernização, mudança e reformas”, insiste, acrescentando que se houver enfraquecimento das forças nacionais, a repercussão no campo social pode ser negativa.
Por outro lado, o dirigente empresarial entende que a abertura comercial generalizada deve impulsionar a modernização da indústria nacional, além de estimular as indústrias a se associarem com mais intensidade para resolver as grandes questões estruturais da economia.
Quanto ao cronograma de implantação da Alca, Loures considera que a posição hegemônica dos EUA é gritante e podem fazer acordo com os demais países americanos. “Mais cedo ou mais tarde o Brasil acaba tendo que entrar no acordo e corre o risco de ingressar em uma situação mais desfavorável, mais enfraquecida de negociação”. Apesar das dificuldades, Loures acredita que os prazos serão cumpridos, “já que há uma determinação por parte do governo norte-americano, que tem força gravitacional e impõe o ritmo neste processo”.
Para Loures, “a oportunidade do Brasil está em interagir, negociar, aumentar nossa competência para negociar a transição, nestas primeiras fases”. “É preciso também deixar claro que o País não é viável com atual sistema tributário e o regime de juros. Fica em desvantagem com esta situação”, conclui.