Brasil e América Latina foram despejados do mundo, no debate econômico sobre perspectivas globais, no último dia da reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Depois de cinquenta minutos, um africano levantou-se na plateia e reclamou do silêncio a respeito de África e da América Latina. O coordenador da sessão, o colunista Martin Wolf, do jornal britânico Financial Times, acolheu o protesto e pediu uma resposta à diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde. Ela fez um breve comentário sobre a África Subsaariana, com foco na Nigéria, e terminou sem uma palavra sobre os latino-americanos.

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No começo da sessão havia ocorrido a única referência a um latino, o México, afetado pela incerteza quanto às políticas do novo governo americano.

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Donald Trump assumiu a Presidência dos Estados Unidos nesta sexta-feira, 20, mas suas promessas de campanha, incluída a ameaça de protecionismo, balizaram boa parte do debate final em Davos. A insegurança criada pelo Brexit, o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, também foi uma referência importante, como no resto da semana. Apesar dos temores, o tom geral foi de otimismo quanto às perspectivas de crescimento no mundo rico, na China e na Índia. A expansão global deve passar de 3,1% em 2016 para 3,4% neste ano e 3,6% no próximo, disse Lagarde, repetindo as últimas estimativas do FMI. Pela primeira vez em vários anos, comentou, uma nova projeção de crescimento mundial estava sendo divulgada sem revisão para baixo.

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Mas a história seria um pouco menos brilhante, se fossem lembrados alguns outros detalhes do relatório. Entre outubro e janeiro a expansão econômica esperada para o Brasil em 2017 foi reduzida de 0,5% para 0,2%. O desempenho no segundo semestre de 2016 foi o previsto e pioraram . Esses argumentos valem também para a Argentina. No caso do México, o problema principal é o fator Trump. O crescimento estimado para a economia mexicana passou de 2,3% para 1,7%.

A expectativa de uma política orçamentária mais frouxa nos Estados Unidos levou a uma revisão do crescimento esperado neste ano de 2,2% para 2,3%, nas contas do Fundo.A projeção para 2018 passou de 2,1% para 2,5%. A expansão também deverá ser favorecida por maiores investimentos em infraestrutura, acrescentou o presidente da gigante americana de investimentos e gestão de ativos BlackRock, Lawrence Fink. Falta saber, comentou, como essas políticas serão implementadas e como serão pagas – talvez por um aumento de imposto sobre consumo. Será preciso, completou, evitar um círculo vicioso de dólar mais forte e juros em elevação combinados com déficit maiores nas contas públicas.

O ministro das Finanças do Reino Unido, Philip Hammond, chamou atenção para o bom desempenho econômico do país, puxado pelo consumo, depois da votação do Brexit. Repetindo a mensagem transmitida na véspera pela primeira-ministra Theresa May, ele falou sobre a intenção de negociar um amplo acordo comercial com União Europeia, de buscar entendimentos com outros parceiros e de manter o compromisso com o livre comércio.

Falando, no entanto, mais diretamente que sua chefe, rejeitou a comparação, muito frequente nos últimos meses, entre o Brexit e a eleição de Donald Trump. O Reino Unido, insistiu, deixou a União Europeia para viver segundo regras próprias – quanto à imigração e à movimentação de pessoas, por exemplo. Não se trata, acentuou o ministro, de uma atitude anticomércio.

Participante habitual desse debate, o presidente do banco central do Japão, Haruhiko Kuroda, previu para seu país crescimento em torno de 1,5% neste ano. Vencer a deflação continua sendo a prioridade, afirmou Kuroda. Há anos o Banco do Japão vem lançando enormes volumes de dinheiro no mercado, mas sem conseguir até agora provocar uma inflação anual de 2%. Em janeiro do ano passado Kuroda atribuiu o resultado decepcionante – inflação ainda abaixo de 2% – à baixa do preço do petróleo.

O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, entrou na onda de otimismo ao falar do crescimento em seu país e na Europa. Tentou exibir tranquilidade quanto às consequências da novas política do Reino Unido, mas classificou o Brexit como um alerta para os europeus. Além disso, realçou a importância de enfrentar a ascensão do populismo e do euroceticismo. Não mencionou políticos nem partidos, mas a referência pode valer para a extrema direita francesa e para movimentos populistas em outros países.

O único país latino-americano com destaque em Davos, nesta semana, por seu desempenho econômico foi o Paraguai. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, foi homenageado pelo acordo com as Farc. A Operação Lava Jato foi comentada com interesse, como exemplo importante de combate à corrupção e de vigor institucional, e o procurador geral Rodrigo Janot ganhou destaque em vários momentos. No cenário econômico o Brasil pouco apareceu.