O Brasil e a América Latina foram praticamente ignorados no debate sobre a conjuntura econômica global que tradicionalmente abre o Fórum Econômico Mundial, iniciado ontem, nos Alpes suíços, com cerca de 2.500 autoridades, empresários, banqueiros e celebridades. Isso reflete a exígua atenção dedicada à região no encontro deste ano.
Além de se concentrar nos temas tradicionais, como a situação das economias dos Estados Unidos, Europa e Japão, o foco do encontro está direcionado para o crescimento da relevância da China e da Índia. Entre as dezenas de seminários da agenda oficial do fórum, que se estende até domingo, o único dedicado à América Latina será na sexta-feira, o ?jantar ibero-americano?, que todos os anos se limita a reunir autoridades e empresários latino-americanos e atrai pouca atenção entre os demais participantes. Em contrapartida, estão programados vários seminários relacionados à China e à Índia.
De fato, a única menção à América Latina no debate de abertura foi negativa. Ao analisar as implicações políticas dos elevados ganhos obtidos nos dois anos pelos países produtores de petróleo, o vice-presidente do American International Group, Jacob Frenkel, citou o caso da Venezuela e seu impacto sobre a região. ?O presidente Hugo Chávez é um fenômeno que pode ter muitas implicações sérias?, disse Frenkel.
Após o debate, ele ressaltou a jornalistas que a América Latina vem tendo um desempenho muito positivo nos últimos anos, mas que cada país da região tem uma característica. Como caso positivo ele citou o Chile. ?No caso da Venezuela, é preciso ter uma atenção ao populismo.
O economista-chefe do banco Morgan Stanley, Stephen Roach, ao ser questionado após o debate sobre as perspectivas para a região, demonstrou preocupação com o impacto de uma mudança no cenário econômico global. ?Os ciclos de liquidez estão se revertendo mundo afora e isso terá um impacto sobre os spreads das dívidas dos mercados emergentes e da América Latina. Isso não é uma condição sustentável.
No geral, quando questionados, analistas do mercado internacional elogiam o desempenho econômico da América Latina nos últimos anos. Mas a crescente influência política de Chávez e a recente eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia têm aumentando os temores de que a região esteja novamente abraçando regimes populistas em meio a um intenso ciclo de eleições parlamentares e presidenciais em vários países.
Meirelles e Furlan participam da abertura
O presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, e o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, participaram ontem, ao lado de empresários e políticos de diversos países, da abertura do Fórum Econômico Mundial, encontro anual da elite econômica internacional realizado em Davos, na Suíça.
O evento se iniciou com um panorama obscuro para a economia mundial feito pelo economista-chefe do Morgan Stanley, Stephen S. Roach. Segundo ele, os mercados e as autoridades financeiras desenvolveram um ?grau perigoso de complacência?, partindo do princípio que a economia mundial pode continuar funcionando de forma desequilibrada sem ser corrigida.
Na reunião, os participantes discutirão a crescente presença na cena mundial da Índia e da China, que foi confirmada ontem como a quarta economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, Japão e Alemanha.
Klaus Schwab, que iniciou o fórum há mais de três décadas, anunciou que planeja iniciar um encontro anual na China no verão de 2007.
?A China será a sede de muitas empresas?, que se espera que irrompam na economia mundial. ?De certa forma, estamos criando um Fórum Econômico Mundial paralelo para a próxima geração de empresas.?
Summers sugere especialização
O ex-secretário do Tesouro americano, Lawrence Summers, co-presidente da reunião anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, sugere que o Brasil invista na especialização em um setor, como fez a Índia na tecnologia de informação, se não, pode não conseguir competir com o baixo custo chinês e indiano, ou com a inovação americana.
Nesta entrevista, ele fala sobre crescimento, padrão e onde o Brasil precisa investir.
O Brasil está seguindo a cartilha: diminuindo déficits, obtendo alto superávit primário. Por que o País não consegue crescer como China ou Índia?
Summers: O risco para o Brasil, assim como para toda a América Latina, é se ver preso no meio: não conseguir competir em custo baixo da mão-de-obra com a China ou a Índia, e não conseguir competir em inovação e sofisticação com os Estados Unidos. O desafio para o Brasil vai ser localizar suas áreas de especialização e construir sua economia em torno delas. Mas essa estratégia leva tempo. É preciso investimento substantivo em capital humano e esforços continuados para abrir o mercado para a economia mundial. A grande corrida para (comprar papéis) da dívida brasileira sugere que a confiança e o otimismo mundial em relação ao Brasil aumentou substantivamente.
Comparando com a Índia, o senhor vê um padrão que o Brasil poderia copiar?
Summers: Acho que a situação do Brasil é bastante diferente da Índia. Não estou certo que o Brasil terá as mesmas oportunidades que a Índia na área de tecnologia de informação. A Índia tem um tremendo sistema de educação superior, que está produzindo analistas, cientistas e engenheiros de primeira categoria. Esta área de educação superior vai ser crucial para o futuro do Brasil.
Isso seria uma das condições, então?
Summers: É um ponto-chave que precisa de investimento.
Que outros pontos são importantes para o Brasil crescer mais?
Summers: Acho que investimento em capital humano é que vai ser crucial, começando com educação primária e secundária.
As eleições presidenciais no Brasil o preocupam?
Summers: Espero que as eleições no Brasil sejam uma oportunidade para, seja lá qual for o próximo presidente, desenvolver um mandato que faças os investimentos necessários em educação em todos os níveis.