São Paulo
– O Brasil reagiu com ironia à proposta dos Estados Unidos de eliminar as tarifas de importação de produtos industrializados até 2015. A oferta seria apresentada ontem à Organização Mundial do Comércio (OMC). “É uma tática negociadora que atende exclusivamente aos interesses norte-americanos”, disse o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, chefe da delegação brasileira na OMC, em Genebra. Ele participou do seminário “As negociações comerciais multilaterais e a inserção competitiva do Brasil no cenário mundial”, em São Paulo, organizado pela Secretaria Estadual de Planejamento.Na segunda-feira, os países em desenvolvimento, que são absoluta maioria na OMC, já haviam sido alvo de outra iniciativa polêmica da Casa Branca, que lançou uma espécie de concurso entre as nações mais pobres do planeta com um “prêmio” de US$ 5 bilhões. O ganhador desse concurso, no entanto, precisaria demonstrar que está combatendo a corrupção, gastando mais em educação e seguindo os princípios básicos do livre comércio. Essa proposta precisa ainda ser submetida ao Congresso, mas com grande chances de ser aprovada, segundo a edição de ontem do The New York Times.
Para o embaixador Seixas Corrêa, a proposta para reduzir a zero as tarifas de bens industrializados vai contra os interesses dos países em desenvolvimento, já que as alíquotas médias praticadas nos Estados Unidos para esses produtos não passam de 3%. “Entendo essa proposta apenas como mais um dado negociador”, disse Seixas Corrêa.
Trator
Marcos Sawaya Jank, professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas em economia agrícola do País, acredita que a proposta dos EUA é totalmente compatível com a mentalidade dos norte-americanos de querer passar por cima de países em desenvolvimento como um “trator” em busca de seus interesses nacionais. Jank, que voltou recentemente de Washington, onde fez uma série de pesquisas para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sobre negociações comerciais na área agrícola, também lembrou que as tarifas médias norte-americanas para a área industrial são muito baixas e reduzí-las não representariam nenhuma concessão por parte dos EUA para países como o Brasil.
“O problema dos Estados Unidos não são alíquotas de importação, já que esse país usa leis antidumping, barreiras não-tarifárias para impedir a entrada de produtos competitivos de outras nações. O grande problema dos países em desenvolvimento continua sendo a profunda defasagem que existe no tratamento dado aos produtos industrializados e aos agrícolas”, afirmou o professor. Por isso, acrescentou Jank, o Brasil precisa ser contundente para defender seus interesses. Com essa proposta, explicou o professor da USP, o País tem mais a perder do que a ganhar.
O embaixador Seixas Corrêa afirmou ainda que, há 15 dias, a Nova Zelândia, um dos parceiros do Brasil no Grupo de Cairns, apresentou uma proposta semelhante à norte-americana com o objetivo de forçar os países em desenvolvimento a abrir mão de suas tarifas industriais em troca de uma abertura do mercado agrícola nos EUA e na União Européia. “Ocorre que a Nova Zelândia é um país exclusivamente agrícola e nada teria a perder na área de bens industrializados”, disse Seixas Corrêa.
UE
A União Européia (UE) também criticou a proposta dos Estados Unidos de eliminar todas as tarifas. “O plano dos EUA deve levar em conta as preocupações dos países emergentes”, disse a porta-voz da Comissão da União Européia, Arancha Gonzalez. Segundo ela, formalmente a União Européia deu boas vindas ao plano norte-americano, mas acredita que qualquer proposta para negociações sobre o comércio global deve levar em conta as necessidades das nações menos desenvolvidas.