Brasil critica ?feudalismo? dos países ricos

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem que os países ricos precisam promover reformas no comércio agrícola, no qual ?remanescentes do feudalismo? têm vivido lado a lado com outros privilégios. ?Depois de tantos anos – deveria dizer décadas ou séculos? – remanescentes do feudalismo têm existido lado a lado com outras formas de privilégios inaceitáveis?, disse Amorim. ?Os países pobres não podem esperar esperar outros vinte anos para ver reformas no comércio agrícola. A hora de agir é agora.?

O ministro disse, em seu discurso na reunião ministerial da OMC (Organização Mundial de Comércio), que acontece nesta semana em Hong Kong, que os países ricos ?não podem esperar receber pagamento por fazer o que deveriam ter feito muito tempo atrás?, em referência à exigência de que os países pobres reduzam suas barreiras ao comércio de produtos industriais e serviços, sem uma contrapartida proporcional nos mercados agrícolas dos países desenvolvidos.

A alusão de Amorim a práticas feudais por parte dos países ricos é a segunda referência de autoridades brasileiras ao passado da Europa para condenar as práticas comerciais do setor agrícola. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, disse na semana passada, em passagem pela França, que o sistema de subsídios europeu é ?medieval? e ?retrógrado?. A França é o país da UE que mais tem oferecido resistência a uma redução maior de tarifas e subsídios agrícolas.

Amorim afirmou ainda, no discurso, que os países desenvolvidos tentaram ?camuflar?, mesmo após o lançamento da Rodada Doha, o fato de que o déficit de desenvolvimento nos países pobres resulta da inadequação das regras aplicadas à agricultura, na comparação com outras atividades econômicas. ?Eles tentaram vender para o resto do mundo uma rodada barata.?

O discurso do ministro citou ainda a resistência dos países em desenvolvimento, durante a reunião da OMC em 2003 (que acabou em impasse), ao ?esquálido acordo? proposto à época para o comércio agrícola, ?que nem arranharia a estrutura dos privilégios e injustiças construídos no comércio mundial, especialmente na agricultura?.

Também ficou claro que a expectativa de conclusão da rodada nesta reunião está afastada. Amorim disse que o G20 (grupo de países em campanha pelo fim dos subsídios agrícolas, liderado por Brasil e Índia) estará preparado para chegar a uma proposta completa para as áreas de agricultura, bens industriais e serviços ?no início de abril?.

O ministro reconheceu que a agricultura não é o único tópico das negociações (embora tenha afirmado, em novembro, que as negociações agrícolas devem ser ?o motor da Rodada Doha?, mas afirmou que precisa haver um ?compromisso proporcional? entre a agricultura, os bens industriais e os serviços. ?As grandes economias não podem esperar dos países em desenvolvimento mais do que estão dispostos a oferecer.?

OMC precisa mais do que propostas em agricultura

O comissário europeu para o comércio, Peter Mandelson, exigiu que as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) não fiquem restritas à discussão sobre agricultura. A União Européia vem exigindo que, em troca da abertura de seu mercado agrícola, os países em desenvolvimento reduzam tarifa para importação de produtos industriais.

Já o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, insistiu, em suas entrevistas durante a 6.ª Reunião Ministerial da OMC, que ?a agricultura é o motor da Rodada Doha?, série de negociações comerciais iniciada em 2001. A rodada deveria ser concluída esta semana, na reunião em Hong Kong, mas a direção da OMC já admite que isso não deve ocorrer.

Em entrevista ontem, segundo dia da 6.ª Conferência, o comissário europeu defendeu a posição dos países desenvolvidos. ?Todos aqui têm que ser capazes de voltar para seus países dizendo que evoluímos em relação aos países em desenvolvimento, mas também que evoluímos em nossos interesses. Em bens industriais, por exemplo?, afirmou Mandelson.

O representante europeu considera que um dos obstáculos da rodada de negociações é a falta de ofertas. ?Há pouca coisa sobre a mesa. Uma rodada precisa mais do que propostas em agricultura?, disse. O G20, grupo de 21 países em desenvolvimento liderado pelo Brasil e pela Índia, pede um corte de 54% nas tarifas européias, mas a oferta apresentada em outubro e mantida é de redução de 39%, excluindo-se da regra geral praticamente todos os produtos em que os países em desenvolvimento são competitivos.

Peter Mandelson reconheceu que a agricultura é uma parte importante da rodada, ?mas não a única?, e reafirmou que o estímulo ao comércio envolve, também, acesso a mercado para bens não-agrícolas. ?A menos que tenhamos avanços noutras áreas, toda a negociação continuará imobilizada?, advertiu.

O comissário europeu defendeu o chamado pacote de desenvolvimento, em fase de negociação, que propõe abertura total de mercado aos produtos de países de menor desenvolvimento relativo (com renda per capita inferior a US$ 750). Enfatizou, porém, sem citar nomes, que há resistências e discordâncias entre certos membros da OMC sobre o acesso livre de tarifas e cotas para determinados produtos.

EUA prometem ajuda para destravar negociações

O governo norte-americano ofereceu dobrar a ajuda financeira aos países menos desenvolvidos no próximo ano. O anúncio foi feito ontem pelo representante de Comércio dos Estados Unidos, Rob Portman, durante sessão plenária da 6.ª Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong. Segundo ele, estão previstos US$ 2,7 bilhões para o fortalecimento do comércio naqueles países.

Com a iniciativa, os norte-americanos tentam destravar as negociações ou, nas palavras de Portman, ?ajudar a fazer da reunião ministerial um sucesso?. A ajuda, segundo o próprio representante de comércio norte-americano, só virá se acompanhada de cortes substanciais nas barreiras ao comércio de produtos agrícolas, manufaturados e serviços na atual série de negociações da OMC, a chamada Rodada de Doha.

Portman pediu que os negociadores pressionem a União Européia para cortar as altas tarifas reclamadas pelos países em desenvolvimento. ?Qualquer avanço em acesso a mercado para produtos agrícolas será bem-vindo?, disse Portman aos delegados dos 149 países presentes à conferência.

Em outubro deste ano, os Estados Unidos apresentaram proposta de redução, em cinco anos, de 53% no seu orçamento dos subsídios. Ainda que considerada insuficiente pelos países em desenvolvimento, a oferta ?jogou a bola? para a União Européia. O ministro brasileiro de Relações Exteriores, Celso Amorim, tem reiterado que somente uma boa oferta européia de acesso a mercados poderá fazer com que os Estados Unidos também melhorem sua oferta e, assim, se destrava a rodada.

Setor agrícola defende maior abertura de mercados

O agronegócio brasileiro definiu suas prioridades quanto às negociações da Rodada Doha, que vive momento crucial na 6.ª Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em documento divulgado no começo do mês pela Confederação da Agricultura (CNA), os produtores rurais destacam que o setor depende cada vez mais de negociações que abram mercado aos produtos brasileiros no exterior.

A agricultura foi excluída da rodada anterior de negociações, a Rodada Uruguai, encerrada em 1994, que priorizou produtos não-agrícolas. Atualmente, a principal preocupação para os produtores industriais é reduzir tarifas. Mas os grandes agricultores ainda dependem de acordos sobre eliminação de subsídios e acesso a mercados.

No documento aprovado pela Câmara Temática de Negociações Agrícolas Internacionais do Conselho do Agronegócio (Consagro) do Ministério de Agricultura, os produtores agrícolas pedem o corte de todos os subsídios distorcivos, conforme proposto pelo G-20 – formado atualmente por 21 países em desenvolvimento que possuem interesse comum na abertura do mercado agrícola.

Outra demanda é a redução do teto da chamada Caixa Azul, que inclui subsídios que são admitidos em parte pela OMC. São formas de subsídio agrícolas considerados distorcivos pela OMC, mas que têm limitações quanto à produção e área plantada. Os produtores brasileiros pedem também a adoção de disciplinas rígidas por produto, a fim de garantir que os programas incluídos na Caixa Azul sejam menos distorcivos do que os pagamentos de Caixa Amarela, que compreende as políticas internas de preços de mercado e pagamentos diretos aos produtores. São consideradas distorcivas pela OMC. Tais políticas estão sujeitas a limites de uso global e determinado, assim como acordos de redução.

O agronegócio brasileiro também quer garantias de que os subsídios da Caixa Verde, isentos de compromissos de redução, efetivamente não influenciem o comércio internacional. Na Caixa Verde estão as medidas de apoio doméstico no caso de desastres, os programas governamentais de pesquisa, extensão rural, infra-estrutura e controle de pestes e doenças. Os produtores temem, por exemplo, que certos subsídios migrem para a Verde como forma de burlar os novos limites impostos em Caixa Amarela e Caixa Azul.

A possibilidade da prorrogação da Cláusula da Paz também preocupa os produtores rurais. Pela cláusula, os países que se sentissem prejudicados por distorções no comércio agrícola se comprometiam a não entrar com processos de queixa na OMC até 31 de dezembro de 2003.

Com relação a acesso a mercados, os empresários do agronegócio destacam que o tratamento dos produtos sensíveis definirá o nível de ambição das negociações; eles acreditam que os principais produtos de interesse do Brasil serão selecionados como ?sensíveis? por países desenvolvidos e em desenvolvimento, ficando de fora da regra geral de corte de tarifas. Por fim, o agronegócio recomenda que seja fixado um prazo limite de cinco anos para o fim dos subsídios à exportação, negociado em julho de 2004 pelos membros da OMC.

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