Foto: Arquivo/O Estado

Petrobrás é a maior empresa na Bolívia e responde por 15% do PIB do país.

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Num gesto repleto de simbolismo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, aproveitou ontem o 1.º de Maio para firmar um decreto que nacionaliza todas as operações de hidrocarbonetos (gás e petróleo) do país.

Diante da situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou para hoje, em Brasília, uma reunião de emergência para tratar do assunto.

Morales fez o anúncio nas instalações do campo de produção de gás de San Alberto, operado pela Petrobras, no Departamento (província) de Tarija, sudeste da Bolívia. Às 13 horas, uma hora depois de Morales ter lido o decreto, soldados das Forças Armadas atenderam a uma ordem do presidente e ocuparam as 53 instalações de exploração de gás e petróleo que eram até então controladas por empresas estrangeiras. Pessoalmente, Morales liderou a ocupação simbólica do campo de San Alberto, antes de partir para Cochabamba e La Paz, onde receberia a aclamação popular pela emissão do decreto.

?A hora chegou, o dia esperado, um dia histórico quando os bolivianos reassumem o controle absoluto de seus recursos naturais?, disse Evo. ?Acabou o saque das empresas estrangeiras?. O presidente pediu aos bolivianos que se mobilizem contra quaisquer tentativas de sabotagem das empresas. ?Pedimos às petrolíferas que respeitem a dignidade dos bolivianos. Se não respeitarem, faremos nos respeitar à força, porque se trata de respeitar os interesses de um país.?

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Para ir a Tarija, o presidente cancelou de última hora sua participação numa cerimônia em homenagem ao Dia do Trabalhador em El Alto, município vizinho de La Paz. O anúncio da nova lei foi recebido com manifestações de júbilo nacional nas concentrações de trabalhadores que se espalhavam ontem por vários departamentos do país.

O texto surpreendeu muitos analistas por seu grau de radicalização. O decreto 28.701 estabelece que o Estado boliviano passa a controlar todo o processo produtivo do petróleo e do gás bolivianos. A Yacimientos Petrolíferos Federales de Bolivia (YPFB) assume a parte majoritária (50% mais 1) das ações de todas as filiais de companhias petrolíferas estrangeiras que atuam na Bolívia. Com isso, a YPFB se torna a responsável por todas as fases dos negócios do setor – desde a exploração até o transporte do produto, passando pela fixação dos preços para o mercado externo. A nova lei não prevê nenhum tipo de indenização às companhias petrolíferas estrangeiras afetadas pela medida.

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As empresas multinacionais ficarão com o papel de meros operadores da produção e receberão da YPFB uma remuneração de apenas 18% pelos serviços. O Estado boliviano se apropriará, a título de imposto sobre produção, de 32% das receitas, além de 18% de royalties. Outros 32% serão entregues à YPFB. O Estado se reserva, porém, o direito de ampliar a parte que caberá às empresas para até 50%, como forma de incentivar as empresas estrangeiras a manterem seus investimentos no setor. O governo deu às multinacionais um prazo de 180 dias para que renegociem seus contratos, sob as normas do novo decreto. Passado esse tempo, as companhias que não chegarem a um acordo com a YPFB serão convidadas a se retirar do país. O problema é que a YPFB é, na prática, uma empresa sucateada e descapitalizada, sem condições de financiar suas operações e sem quadros para garantir sozinha a continuidade da produção. Mesmo assim, imediatamente após a assinatura do decreto e à ocupação militar das instalações, faixas com os dizeres ?Nacionalizado. Propriedade da YPFB – Povo da Bolívia? foram afixadas nos portões de entrada da maior parte das instalações petrolíferas.

Brasil perde investimento de US$ 1,5 bi

?Não somos um governo de promessas?, discursou Morales, que completava ontem 100 dias na presidência do país. ?O que prometemos e o povo exigiu, nós cumpriremos. O saque dos recursos naturais da Bolívia se acabou.? A medida é uma demonstração do quanto Morales e o grupo que o cerca abandonaram a relativa moderação desde que assumiram o poder no país, em janeiro. Durante a campanha que o levou à presidência, o ex-líder sindical dos plantadores de coca da região do Chapare acenava com um tratamento diferenciado nas relações com a brasileira Petrobras – que, nos últimos dez anos, investiu mais de US$ 1,5 bilhão na Bolívia.

Além deste valor, a Petrobras injetou US$ 2 bilhões para trazer o gás ao Brasil. Ela explora os dois principais campos de gás do país – os quais já foram ocupados pelo Exército boliviano ontem – e tem duas refinarias, entre outros. É a maior empresa na Bolívia e responde por 15% do PIB do país.

Em meio ao clima de ?o petróleo é nosso?, o Canal 7, emissora estatal, passou a transmitir uma mensagem de propaganda que evocava os mártires bolivianos da Guerra do Chaco, de 1932, contra o Paraguai, que defenderam um território no qual se havia descoberto uma grande reserva de petróleo no sudeste da Bolívia.