Pela primeira vez no último trimestre de 2016, principalmente durante a reação da inesperada eleição do republicano Donald Trump nos Estados Unidos, os bancos centrais tomaram o assento de trás e os mercados financeiros lideraram os movimentos. A avaliação dessa mudança, considerada saudável, é do chefe do Departamento Monetário e Econômico do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Claudio Borio.

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“Os mercados financeiros tiveram que imaginar como os bancos centrais responderiam aos acontecimentos surpreendentes”, considerou, citando as expectativas de alta da taxa de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) em dezembro, seguidas de outras adicionais, ainda que em movimento gradual, como costuma ser historicamente.

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Por isso, de acordo com o economista, foi visto um ajuste para cima no ritmo esperado na trajetória de curto prazo das taxas de juros implícitas na curva de yields e o rápido estreitamento da lacuna entre as expectativas dos mercados e o que o Fed projeta. “Mas não foram declarações de bancos centrais ou decisões políticas que, fundamentalmente, desencadearam os movimentos”, salientou. “É como se os participantes do mercado, por um momento, pegassem a liderança na antecipação e mapeamento do futuro, libertando-se da sua dependência de cada palavra e ação dos bancos centrais. Em si, isso é saudável”, acrescentou.

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A calma dos mercados, lembrou Borio, foi abalada por um evento político que pareceu inaugurar uma mudança de paradigma nos mercados. “O que aconteceu nos mercados é tão importante quanto o porquê aconteceu. E o que vem pela frente inclui seu potencial de longo alcance, ainda não totalmente compreendido.”

Sobre o ‘o que’, o economista disse que a eleição surpreendente acionou a todos, já que os mercados, mais uma vez, estavam completamente errados. Ele destacou que o mesmo já havia sido visto com o plebiscito do Reino Unido, que decidiu pela saída da União Europeia, no chamado Brexit. “Os mercados estavam all-in” considerou.

O chefe de Departamento do BIS salientou que os eventos maiores e mais profundos nos mercados dominantes acabaram tendo grandes repercussões em outras praças, como a elevação dos yields dos títulos soberanos e, dentro da zona do euro, um aumento dos spreads. Economias de mercados emergentes, citou, foram especialmente atingidas. “O tempo todo – e esta é especialmente uma boa notícia – os mercados funcionaram tranquilamente, apesar do preço”, observou.

Borio lembrou que o Brexit já havia interrompido a calma do mercado durante o quarto trimestre, com a derrubada da libra no dia 7 de outubro. “Em questão de segundos, a moeda perdeu nada menos que 9%”, pontuou. Para ele, no entanto, enquanto os movimentos permanecem autônomos e não ameaçam o funcionamento do mercado nem das instituições financeiras, não são uma fonte de muita preocupação. “Talvez precisemos nos acostumar a eles”, avisou. De um modo geral, o economista do BIS enfatizou que a resiliência dos mercados é um reflexo dos esforços das instituições financeiras para incentivar uma melhor precificação do risco de liquidez.

Sobre o futuro, o economista questiona se há no momento uma reação exagerada do mercado ou uma mudança de paradigma. “Difícil dizer nesta fase: as incertezas envolvidas são muito grandes. O que é surpreendente é que levou apenas um evento político para aparentemente dissipar, de uma só vez, a crença do mercado em um futuro de taxas de juros persistentemente ultrabaixas, crescimento secularmente baixo e pressões desinflacionarias”, mencionou.

Para Borio, os rendimentos dos títulos ainda são baixos de uma perspectiva de longo prazo. Os sinais mais preocupantes que ele enxerga agora estão relacionados ao risco de um maior protecionismo. “Esses sinais têm se multiplicado nos últimos anos”, disse, acrescentando que, neste caso, não haveria vencedores, apenas perdedores.