O aquecimento da economia no terceiro trimestre deste ano, com a melhora dos indicadores de produção, vendas e emprego, e o temor gerado pelos altos preços do petróleo no mercado internacional, fizeram o Banco Central elevar e expectativa de inflação para 7,2% neste ano. Se confirmado, o resultado ficaria acima da meta de inflação, que é de 5,5%, mas dentro da margem de erro de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo.

Para o próximo ano, a expectativa é de que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) fique em 5,6%, também acima da meta (4,5%) mas dentro do intervalo de tolerância.

As previsões fazem parte do Relatório de Inflação do BC, que é divulgado ao final de cada trimestre. No período anterior, a projeção era de que o IPCA ficasse em 6,4% neste ano e em 4,4% no ano que vem.

“O cenário marcadamente positivo para o nível de atividade ocorreu em um ambiente de preocupação crescente com pressões inflacionárias em função do comportamento já observado de índices de preços no atacado e ao consumidor e de riscos latentes à trajetória de inflação, preocupação essa refletida na elevação das expectativas de inflação dos agentes privados e das projeções do próprio Copom (Comitê de Política Monetária)”, diz o documento.

Na ata da última reunião do Copom, que elevou a taxa básica de juros da economia (Selic) de 16% para 16,25% ao ano, o BC revelou que iria perseguir uma inflação de 5,1% em 2005.

As projeções divulgadas ontem levam em conta um cenário em que a Selic se manterá em 16,25% ao ano e que o dólar ficará próximo a R$ 2,90 – cotação da véspera da última reunião do comitê. No cenário que leva em conta as projeções do mercado para juros e câmbio, a inflação em 2004 ficará em 7,4% e, em 2005, em 6,4%.

Para o BC, a ampliação da oferta de bens e serviços é preocupante para o controle da inflação e para garantir o crescimento sustentável da economia. “A avaliação cautelosa desses desenvolvimentos é importante no sentido de garantir que o crescimento do produto ocorra em um ritmo sustentável, evitando-se que venha a se tornar necessário, no futuro, um sacrifício maior para reverter uma deterioração já concretizada da dinâmica dos preços.”

Embora considere “tranqüilo” o atual cenário dos mercados financeiros e acredite na estratégia gradualista de elevação da taxa de juros norte-americana por parte do Fed (Federal Reserva, o Banco Central dos EUA), a autoridade monetária brasileira ressalta que a elevação das cotações do petróleo no mercado internacional é um fator preocupante para a manutenção da estabilidade de preços.

De acordo com o BC, a acomodação dos mercados financeiros favoreceu os títulos brasileiros no exterior, com a redução do risco-País, e fez a cotação do dólar recuar de R$ 3,10, em junho, para níveis próximos a R$ 2,90 no início de setembro.

Crescimento

O BC prevê que o PIB (Produto Interno Bruto, soma de todas as riquezas produzidas em um país) irá crescer 4,4% neste ano. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a economia brasileira cresceu 4,2% no primeiro semestre do ano.

O setor que terá o destaque mais positivo nas previsões do BC é a indústria, que deve encerrar o ano com crescimento de 6%. Para a agricultura, a previsão é de um crescimento de 4,3%. O setor com a menor expectativa de crescimento é o de serviços, 2,9%.

O crescimento da economia é associado ao desempenho das exportações brasileiras e também à recuperação do mercado interno. Segundo o relatório, “o vigor do desempenho econômico deve-se tanto à continuidade do dinamismo das exportações quanto à consolidação do crescimento da demanda interna. Vale destacar, no cenário interno, a expansão da renda como determinante dos gastos de consumo, fato evidenciado pelo aumento da produção e das vendas de itens com menor sensibilidade às condições de crédito, como gêneros alimentícios e vestuário”.

Alta é ameaça para as metas

A escalada dos preços do petróleo no mercado internacional ameaçam o cumprimento das metas de inflação para este ano e para 2005. No cenário do Banco Central traçado anteriormente, o preço do petróleo WTI – negociado em Londres – é de US$ 35, com aumento de 9,5% da gasolina no Brasil neste ano. Nos últimos dias as cotações estiveram próximas de US$ 50.

De acordo com o Relatório de Inflação do BC, divulgado ontem, esse descolamento entre os preços internacionais e o preço da gasolina do mercado interno é um risco e terá que ser reavaliado, já que pode resultar em um aumento maior da gasolina em 2004 ou uma defasagem que ficará por ser corrigida no ano que vem.

O BC prevê inflação de 7,2% neste ano e de 5,6% para o ano que vem. A meta da inflação para este ano é de 5,5% e de 4,5% para 2005. Em ambos os casos, ela pode variar 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo.

O documento diz que “o risco inflacionário associado aos preços do petróleo se estende além da questão do preço doméstico da gasolina, pelo seu impacto sobre cadeias produtivas mais intensivas em petróleo, e sobre as expectativas de inflação dos agentes privados”.

Para Meirelles, relatório é auto-explicativo

O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, se recusou a comentar o Relatório de Inflação divulgado ontem pelo próprio BC. Conforme o documento, a projeção do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) subiu de 6,4% para 7,2% em 2004 e de 4,4% para 5,6% em 2005. Com as novas projeções, um dos temores é de que os juros também venham a subir. “Não há nenhum comentário além daqueles que estão no relatório”, disse Meirelles, acrescentando que o documento é “auto-explicativo.” De acordo com o presidente do BC, uma das normas é não comentar o relatório, ou a ata (do Copom), particularmente no mesmo dia da divulgação, “para que as pessoas tirem suas próprias conclusões”.

Meirelles esteve ontem em Curitiba participando do 15.º Congresso Nacional de Executivos de Finanças, que termina hoje no Estação Embratel Convention Center. O presidente do BC afirmou ainda que o Brasil cogita a possibilidade de não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). “A decisão será tomada até março de 2005”, afirmou, sem prestar maiores esclarecimentos.

Crescimento

Durante a palestra a executivos, Meirelles comentou sobre a importância de manter a inflação em queda. “Não há país que tenha crescimento de forma sustentada com a inflação alta. A inflação desorganiza a economia, tira o poder de compra da população”, afirmou. Conforme transparências apresentadas durante a palestra, o presidente do BC mostrou a relação entre o PIB (Produto Interno Bruto) e a inflação de vários países. No período de 1990 a 2003, Cingapura, por exemplo, apresentou crescimento de 6,2% e inflação de 1,5% e a China, PIB de 9,2% e inflação de 5,4%. No Brasil, o PIB no período foi de 1,8% e a inflação 161,3%. “O Brasil tem história incipiente de inflação baixa, que precisa ser consolidada”, afirmou.

Meirelles mostrou ainda números da produção industrial – com destaque para a produção de bens de capital, que cresceu 24,9% de janeiro a julho deste ano sobre o mesmo período de 2003, exportações, emprego formal – criação de 1,4 milhão de empregos de janeiro a agosto -, taxa de desemprego, utilização da capacidade instalada. “A economia retomou a trajetória de crescimento, com o aumento da produção, vendas e emprego”, afirmou. Para o presidente do BC, o Brasil não está mais tão vulnerável a crises externas, como no passado. “No longo prazo, é preciso olhar não só riscos externos, como também os internos. É preciso disciplina”, arrematou. (Lyrian Saiki)

Demanda por investimento

O Banco Central teme que o setor industrial não consiga suprir a demanda e dar continuidade a um processo de crescimento, especialmente em alguns setores de bens intermediários. Segundo Eduardo Loyo, diretor de Estudos Especiais do BC e que interinamente ocupa a diretoria de Política Monetária, o nível da atividade econômica surpreendeu nos últimos meses.

O Relatório de Inflação, divulgado ontem, destaca que o nível de utilização da capacidade instalada está em 84,1%, acima do registrado no ciclo de crescimento ocorrido em 2000-2001.

Com o crescimento econômico e a recuperação da renda real do trabalhador, o BC teme que os investimentos na produção não sejam capazes de elevar o nível de capacidade instalada. Com uma procura maior e capacidade de produção limitada, o risco de inflação é certo.

Para Loyo, a taxa de investimentos está abaixo do patamar máximo já alcançado no Brasil, mas é compatível com a projeção de crescimento da economia para este ano, que é de 4,4%.

Ele também alerta para uma “maior propensão às tentativas de recomposição das margens de lucro”. Produtores, vendo a retomada econômica, tendem a aumentar os preços para recuperar perdas passadas.

O diretor do BC prevê nos próximos meses um repasse do aumento dos preços industriais para o IPCA. “É importante a política monetária tornar essa contaminação o mais limitada possível”, explica.

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