Na avaliação de banqueiros, gestores de grandes fundos de investimento e economistas, existe o risco de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pisar no acelerador dos gastos. Com isso, ele pode seguir os passos de Dilma Rousseff (PT).
A ex-presidente foi alvo de impeachment por descumprir regras fiscais e, assim, cometer crime de responsabilidade.
Sob a condição de anonimato, a Folha ouviu três banqueiros, dois economistas dos principais bancos de investimento e dirigentes de dois grandes fundos de private equity que atuam no país.
Para eles, a pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira (13) mostrou que a ajuda financeira do governo para reduzir o impacto da pandemia nas famílias catapultou o apoio a Bolsonaro.
Agora, o presidente sinaliza mais disposição em eleger prefeitos neste ano. Além disso, ele pode usar o assistencialismo para tentar a reeleição.
A indisposição do mercado nesta segunda-feira (17) foi reflexo dessa preocupação.
O sócio de uma das principais gestoras de investimentos do país alertou para a alta do dólar e para a queda do Ibovespa, principal índice do mercado, no momento em que as demais Bolsas seguem tendência de alta.
Para ele, esse descolamento mostra que os ventos começaram a mudar no Brasil. Na sua avaliação, 90% dessa queda traduz a certeza de que o mercado passou a ter sobre a deterioração do quadro fiscal.
Os 10% restantes se devem ao desgaste do ministro Paulo Guedes (Economia) diante da insistência de Bolsonaro em estender o auxílio emergencial de R$ 600 às famílias e o crédito às empresas em dificuldades na pandemia até o fim deste ano.
Esse gestor afirmou que a preocupação de todo o mercado é que Bolsonaro se torne uma Dilma, e o ministro Guedes, um Joaquim Levy, que foi ministro da Fazenda da petista no momento em que a relação com o Congresso estava por um fio.
Levy não conseguiu convencer a chefe a implementar um ajuste fiscal, tampouco conseguiu avançar com a agenda da economia no Congresso. Ele deixou o governo, Dilma caiu.
Os presidentes dos dois bancos consultados dão como certo o agravamento dos parâmetros da economia porque consideram que Bolsonaro já fez sua escolha. Para eles, existe espaço para que, mesmo com mais gastos durante a pandemia, o país refinancie sua dívida sem colapsar a economia.
Esse cenário, ainda segundo eles, é o mesmo daquele que levou o país à eleição de Bolsonaro. Para eles, o presidente repete, portanto, o modelo de Dilma.
Na leitura dos banqueiros, o conflito entre Guedes e o governo para tentar fazer valer o teto de gastos –que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior– reflete a escolha de Bolsonaro por implementar gastos para garantir a reeleição.
Mesmo assim, os executivos disseram acreditar que o chefe da Economia não deve abandonar o posto. Ele resistirá até ter algo bom para apresentar.
Para um dos presidentes de banco, Guedes precisa construir um discurso positivo, encaminhar as reformas e entregar, em 2021, um crescimento acima de 3%, por exemplo. Só assim o ministro poderia “sair bem”.
Seria uma grande surpresa, na sua avaliação, se o ministro jogasse a toalha ainda neste ano. Para ele, a queda da Bolsa e a alta do dólar são sinais tímidos de um desgaste do ministro.
Porém, o mercado vê em Guedes um ministro desgastado e sem a força de manter na equipe nomes fortes, como o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Até integrantes do segundo escalão estão deixando o cargo.
Nesta segunda, o subsecretário de Política Macroeconômica, Vladimir Kuhl Teles, pediu demissão. Segundo a assessoria da pasta, a saída, no entanto, foi por motivos pessoais.
Pelos cálculos de um economista ouvido pela reportagem, uma possível saída antecipada de Guedes pode levar os indicadores de mercado a um patamar destrutivo.
Os juros futuros para contratos de dez anos dobrariam dos atuais 7% para cerca de 14%.
O dólar poderia ultrapassar R$ 7. Isso deflagraria um movimento que pode ser perverso para o país, a migração de investidores locais para a compra do dólar ou investimentos atrelados a moedas estrangeiras.
Esse movimento vem ocorrendo discretamente diante da baixa rentabilidade em títulos de renda fixa –corrigidos pela Selic e pela inflação, ambas em queda e no patamar mais baixo da história.
Se o mercado perceber que a escalada fiscal seguirá o roteiro do passado, tenderá a investir em dólar. Isso trará uma pressão enorme sobre o real, que já é segunda moeda que mais se desvaloriza no mundo.
Nesse cenário, tanto juros quanto a inflação voltariam a subir.
Os danos só não seriam maiores se, para o lugar de Guedes, Bolsonaro escolhesse o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
No entanto, seriam maiores se o presidente delegasse o comando da pasta a um nome com vinculação partidária, como o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
É justamente ele que está em embate com Guedes por mais gastos, no Plano Pró-Brasil. Bolsonaro tinha concordado em fazer uma manobra para enquadrar R$ 35 bilhões em obras no chamado Orçamento de Guerra.
Uma emenda constitucional permitiu que os gastos relacionados ao impacto da pandemia e a redução de seus danos à economia escapassem do cumprimento das regras de rigor fiscal, como o teto.
Assessores de Guedes afirmam que a insistência de Bolsonaro, motivado pela ala militar militar, levou Guedes a alertar o presidente para o fato de que estaria seguindo os passos de Dilma.
Mesmo assim, os fundos de participações (private equities) ouvidos pela reportagem consideram que Bolsonaro deverá voltar à carga nesta agenda de gastos.
Segundo esses agentes de mercado, as baixas na equipe econômica eram esperadas. Dizem nunca ter acreditado que a reforma administrativa e as privatizações avançariam.
Mesmo assim, os investidores preferem que Guedes não saia do governo. Para eles, ele é o único com interlocução direta com Bolsonaro e habilidade suficiente para demovê-lo do que chamam de loucura.