Foto: Aliocha Maurício |
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Fila de pessoas à procura de oportunidade em agência de colocação: poucas chances. |
São Paulo – O baixo crescimento da economia nos últimos 25 anos e a mudança da estrutura de trabalho nos centros urbanos, de transformação dos setores de serviços e comércio em maiores geradores de emprego no lugar da indústria, levaram 11,3 milhões de brasileiros, mais do que a população inteira da cidade de São Paulo, à condição de desempregados ou agregados sociais.
A constatação foi feita pelos economistas Márcio Pochmann, Alexandre Guerra, Ricardo Amorim e Ronnie Aldrin, com base nos levantamentos de dados utilizados no livro Atlas da nova estratificação social do Brasil – Trabalhadores urbanos, ocupação e queda na renda, apresentado em São Paulo. Eles utilizam a expressão ?desclassados? para qualificar os desempregados ou agregados sociais apontados nos levantamentos. ?A estrutura social constituída durante o ciclo da industrialização está em desconstrução?, afirmou Pochmann.
Os trabalhadores urbanos somam cerca de 33,6 milhões de brasileiros, e representam 49,2% das ocupações do País. Em 1980, eram 27,7 milhões, o equivalente a 54,3% da população ocupada. ?Entre 1960 e 1980, a classe trabalhadora cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto que, de 1980 a 2005, a alta foi de 0,7% ao ano. Se tivesse mantido sua participação relativa, mais 11,3 milhões de brasileiros se somariam, hoje, à classe trabalhadora urbana?, explicou Pochmann.
Pela nova estratificação social, os trabalhadores urbanos representam, em sua maioria, a mão-de-obra operacional da economia, de empregos intermediários, caso de vendedores, trabalhadores de estruturas de alvenaria, ambulantes, garçons, cozinheiros, guardas, operadores e por aí afora. A renda familiar desse estrato é inferior a cinco salários mínimos.
Já os ?desclassados?, ou seja, que não pertencem a nenhuma classe social, será objeto de um outro volume da série literária mas Pochmann adiantou ser formado, basicamente, por uma população de baixa renda ou que vive abaixo da linha de pobreza, caso dos trabalhadores esporádicos ou que até possuem emprego, mas sem nenhuma classificação aglutinadora para formação específica de um grupo.
Segundo o estudo, que por metodologia própria analisa as mais diversificadas informações estatísticas do País, o trabalhador urbano é aquele situado abaixo da classe média. A maioria, 57,9% é formada por brancos, enquanto negros e pardos somam 40,8%. Embora as mulheres tenham maior média de escolaridade, de 8,9 anos, contra 6,9 anos dos homens, eles são maioria do estrato, respondendo por 65% das ocupações, ao passo que as mulheres respondem pelos outros 35%. ?Esse dado rompe aquela lógica de que, quanto maior a escolaridade, maior a chance de obter emprego?, comenta o economista Ricardo Amorim, professor da Universidade Mackenzie.
Até os anos 80, a classe trabalhadora atuava majoritariamente na indústria, com ênfase nas grandes empresas e com baixa escolaridade. Hoje, a atividade base da economia está no comércio e serviços, majoritariamente em micros e pequenas empresas e média escolaridade.
Outro ponto relevante do estudo está na análise dos rendimentos. Tomando a Grande São Paulo como referência, os pesquisadores observaram que, em todos os ramos de atividade, houve queda do rendimento médio real do trabalhador.
Ao mesmo tempo, os gastos correntes tiveram crescimento: de 92,6% da renda, em 1987, para 95,5%, em 2003. Assim, esses trabalhadores não contam com receitas para a formação de poupança e patrimônio, mantendo-se sempre em situação de baixa renda, enfatizam os especialistas.
O principal item das despesas a apresentar aumento foi habitação, de 17,2% da renda, em 1987, para 35,3%, em 2003. A soma de habitação (35,3%), alimentação (22,4%), transporte (11,4%), e vestuário (5,7%), consome 74,8% da renda desses trabalhadores. Os impostos também saltaram expressivamente: de 27% a 34% do rendimento, na década de 80, para 37% a 44%, atualmente.
Por conta deste aperto, constataram os especialistas, os trabalhadores optaram por cortes, principalmente, de consumos menos urgentes, caso de vestuário e de recreação e cultura. Em 1987, o grupo gastava 2,5% da renda em recreação e cultura, ao passo que, em 2003, o volume ficou em 1,6%.
?Esse levantamento indica os rumos para onde nossa sociedade caminha e o que pode ser feito para reorientá-la. É fundamental que tenhamos crescimento econômico, mas também dependerá do tipo de emprego a ser criado?, comenta Pochmann. Ele lembra, por exemplo, que ao premiar a exportação de produtos básicos, caso de commodities agrícolas e minerais, ou mesmo de combustíveis como o etanol, o Brasil até poderá gerar empregos e inserção social, mas não com a mesma qualidade obtida durante o período de industrialização vivido pelo País em décadas passadas.
