economia

Azul contrata escritório que assessorou Avianca Brasil na recuperação judicial

A companhia aérea Azul contratou o mesmo escritório que cuidou do processo de recuperação judicial da Avianca Brasil, hoje inoperante. O movimento ocorre em meio ao temor sobre a capacidade das companhias aéreas que operam no Brasil resistirem à crise causada pelo coronavírus sem ajuda financeira do governo.

A Azul, assim como a Gol e Latam, afirma que renegocia contratos e não tem planos de pedir na Justiça brasileira proteção de seus credores. A Latam pediu recuperação judicial nos Estados Unidos, mas deixou a operação brasileira de fora. Há um impasse dentro do governo sobre o tamanho do socorro ao setor.

No Brasil, a maioria das empresas de aviação que entram em recuperação judicial acaba falindo. Entre os casos mais simbólicos estão Varig, Vasp e a TransBrasil.

O pano de fundo desta vez é a falta de perspectiva de uma retomada consistente da demanda de passageiros até o fim do ano. Com isso, as companhias aéreas brasileiras têm sido obrigadas a negociar devolução de aeronaves e mudanças nos vencimentos de dívidas com bancos.

O atual cenário de câmbio elevado e demanda minguante impactou negativamente as três grandes do setor no Brasil.

O grupo Latam, que pediu recuperação judicial nos Estados Unidos no fim de maio, é o que tem maior dependência de rotas internacionais, que tiveram maior retração.

Segundo a agência de classificação de risco Fitch, 51% do faturamento da companhia vêm de rotas internacionais. Outros 30% vêm do mercado doméstico brasileiro, em que a empresa disputa a liderança com a Gol.

Azul e Gol, por outro lado, têm buscado renegociar dívidas para evitar ter de recorrer à recuperação judicial no Brasil.

As três grandes têm em comum a dificuldade de pagar todas as dívidas sem uma injeção de dinheiro novo nos próximos meses, queda acumulada de valor de mercado na Bolsa durante a pandemia e um endividamento bilionário.

O passivo é formado em sua maioria por empréstimos bancários e contratos de arrendamento de aeronaves e motores.

O aporte deve vir do pacote de socorro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que previu R$ 2 bilhões por companhia, considerados insuficientes para evitar a quebra das empresas.

O presidente da Latam Brasil, Jerome Cadier, já afirmou esperar que os recursos venham em julho. Embora a maior pressa para receber o dinheiro seja da Latam, é fato que Gol e Azul também precisam de caixa ainda neste ano.

A Azul, por exemplo, têm buscado ativamente seus credores para apresentar um plano de reestruturação das dívidas. A empresa viu sua dívida líquida aumentar em 47% de dezembro de 2019 a março deste ano, quando o montante chegou a R$ 17,84 bilhões.

A companhia contratou os escritórios Galeazzi e TWK -o último responsável pelo processo de recuperação judicial da Avianca Brasil-, especializados em reestruturação e insolvência, para negociar com os credores, mas diz não pensar em pedir recuperação judicial.

“A gente está animado em termos relativos. Estamos no meio da pandemia ainda, mas o momento atual é o melhor em 90 dias. Chegamos à crise como uma das companhias aéreas mais rentáveis do mundo, e os credores sabem que o modelo de negócio é sustentável”, afirma Alex Malfitani, diretor financeiro da empresa.

“Nós criamos um plano de pagar todos os credores à medida que a empresa gera caixa. Poderíamos pagar [parte das dívidas] com o saldo de caixa, mas isso vai ser importante como capital de giro”, diz.

Segundo o executivo, a empresa já fechou acordos com parte dos credores e não há a intenção de entrar em recuperação judicial.

“Podemos estar em dívida com dois ou três meses de aluguel [de aeronaves], mas as empresas de leasing estão mais preocupadas com os cinco anos restantes do contrato do que com a circunstância atual”.

Seis companhias de leasing são donas de cerca de 80% da frota atual da Azul, composta em abril por 153 aeronaves.

O plano apresentado pela Azul é o mais conservador entre as grandes do setor. Prevê que a demanda chegue a 40% dos níveis pré-pandemia em dezembro deste ano. As estimativas de Latam e Gol variam entre 60% e 80%.

A empresa, que chegou a reduzir seus voos diários de 1.000 a 70, vai operar 170 em junho.

Os maiores vencimentos de dívidas da Azul estão concentrados em 2021 e 2024, de acordo com a aérea.

Para Giácomo Diniz, do Ibmec, a situação financeira da companhia hoje não é boa.

“A empresa e o setor de uma maneira geral tiveram um encurtamento de caixa monstruoso a partir de março, e a perspectiva de retomada de geração de caixa é limitada por conta da pandemia que ainda não acabou”, afirma.

A empresa tinha em caixa em março R$ 4,38 milhões. Ao considerar aplicações em fundos de investimento e investimentos em CDB (Certificado de depósito bancário), o valor era de R$ 529,23 milhões.

Ao todo, a empresa diz que tinha em março cerca de R$ 3,1 bilhões entre caixa e investimentos. A queima de recursos com a operação prevista para o segundo trimestre é até R$ 4 milhões por dia, o que permitiria à empresa operar na atual situação por mais de um ano.

“O problema é que se considera contas a receber no montante, como se não houvesse risco de crédito nesses recebíveis”, diz Diniz. De maneira geral, segundo ele, o fôlego financeiro poderia ser mais curto.

“Gol e Azul devem buscar primeiro um acordo extrajudicial porque o mercado sabe que uma recuperação judicial de companhia aérea não é um bom cenário para ninguém”, afirma Giácomo Diniz, do Ibmec.

A Gol, segundo Diniz, tem um endividamento menor na comparação com o EBITDA (Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), mas uma dívida de curto prazo alta na comparação com o caixa. “Tem uma conta gigante chegando na esquina em um momento em que não gera caixa”, diz.

Em março, a Gol acumulava R$ 4,99 bilhões em dívidas com vencimento em até 12 meses, e tinha em caixa R$ 659,03 milhões.

O valor seria insuficiente, por exemplo, para pagar os R$ 711 milhões de dívidas a vencer até junho. No terceiro trimestre, seriam mais R$ 1,8 milhão a quitar.

Em seu relatório de resultados referente ao primeiro trimestre deste ano, a aérea considera contas e títulos a receber e caixa restrito em sua conta como equivalentes a caixa, o que somaria R$ 4,23 bilhões, valor suficiente para quitar os débitos.

Em nota à reportagem, a empresa diz que desde o início da pandemia estuda como “equilibrar e equalizar compromissos financeiros para preservar sua operação para os próximos meses”. A empresa afirma estar em “uma posição robusta com mais de 10 meses em reservas de caixa para se proteger”.

“A Gol chama o caixa restrito de equivalente a caixa [no relatório], o que é impreciso. Nesse montante, estão por exemplo valores depositados em processos judiciais em curso, depósitos de margem para operação com derivativos, cartas de crédito para garantir contratos de arrendamento. É recurso bloqueado, diz Eric Barreto, professor de finanças do Insper.

Para Barreto, embora seja possível liberar parte desses recursos, há riscos.

“Pode ser que libere algo desses garantias usadas em contratos de leasing, mas esse valor não é disponível, não está na mão da empresa. Há ainda R$ 446,9 milhões a receber da Boeing, mas existe o risco de a própria empresa americana querer renegociar com credores dela”, afirma.

Segundo Barreto, a conta da Gol “está bastante apertada” no curto prazo.

A empresa teve em abril consumo líquido de caixa de R$ 6 milhões ao dia, antes uma receita de R$ 5 milhões.

“Na liquidez atual, um aporte de R$ 2 bilhões [valor que o BNDES prevê de aporte em cada aérea] daria para fazer jus aos vencimentos de curto prazo na Gol. De qualquer modo, fica parecendo pouco dinheiro também para a Azul”, afirma Giácomo Diniz.

Para Gustavo Lopes, sócio da consultoria Roland Berger, o governo brasileiro demora em liberar o dinheiro para o setor.

“A crise atinge o setor aéreo globalmente, mas aqui já tivemos um choque em 2019 com o fim da Avianca Brasil, responsável por uma parte importante da malha aérea nacional. Além disso, como os custos das aéreas é dolarizado, o real desvalorizado agrava o panorama”, diz.

Para ele, o Brasil teve uma reação rápida no início da crise, mas perde velocidade agora.

“O governo tomou medidas importantes como postergação de pagamento de outorgas e permissão do uso das bases da Infraero sem custos de hangar para as aéreas, por exemplo. No desenrolar, porém, a resposta está lenta. As aérea estão desde março no chão. A solução financeira precisa vir rápido para chegar a tempo”, afirma.

“Se uma empresa desaparece, as sobreviventes podem não ter fôlego para suprir a demanda. Há riscos de monopólio ou apagão aéreo, e todo o sistema logístico sofre”.

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