A arbitragem é uma modalidade de resolução de conflitos ainda pouco conhecida pela maior parte das pessoas. No entanto, a solução, regulamentada por lei em 1996, vem sendo cada vez mais utilizada no Brasil.

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As principais interessadas são as empresas, que buscam resolver desavenças com maior rapidez, mas com a mesma segurança jurídica da Justiça comum. O Estado conversou com o advogado curitibano Maurício Gomm Santos, especialista no assunto que atua em Miami, nos Estados Unidos.

Para ele, a Copa de 2014, as Olimpíadas de 2016 e a exploração do pré-sal devem aumentar ainda mais a escolha da arbitragem, nos contratos, como forma de solucionar divergências.

O Estado: O senhor pode explicar o que é a arbitragem e quais suas vantagens?

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Maurício Santos: É um método de solução de conflitos. O que a difere do Poder Judiciário é que as partes têm a faculdade de escolher o julgador. E isso tem relevância dentro do contexto doméstico e sobretudo internacional.

Todos os contratos contêm a cláusula de eleição de foro, para uso caso algo errado aconteça. Ninguém dá muita atenção se o contrato é doméstico, porque elege-se o foro da comarca local.

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Mas, se é internacional, cada parte vai querer o seu foro. E a arbitragem serve como um campo neutro. Não há Judiciário de nenhum país, e será escolhido um árbitro especialista na matéria objeto do contrato.

Em um contrato de compra e venda de mercadorias, as partes podem eleger um especialista em comércio internacional. O processo acaba sendo mais rápido e consequentemente mais barato. A arbitragem é, ainda, confidencial, e isso tem importância em questões, por exemplo, de propriedade intelectual, ou em brigas de sócios.

OE: Pela sua vivência no exterior, quais as diferenças no uso da arbitragem nesses países e no Brasil?

MS: Nos Estados Unidos, a lei de arbitragem é de 1925. Em um primeiro momento, lá também houve resistência. Hoje, tanto a arbitragem quanto a mediação são largamente utilizadas lá e também na Europa e na Ásia.

No Brasil, de 2001 para a frente, a arbitragem pegou. Foi chancelada a constitucionalidade da lei pelo Supremo Tribunal Federal, economicamente o País passou a ser de muito interesse para o investidor estrangeiro, que vai aonde existe um habitat adequado para seu investimento, com estabilidade econômica, política e jurídica.

Essa convergência de fatores positivos está fazendo com que cada vez mais haja investimentos, e cada vez mais haja a previsão de arbitragem nos contratos. Apesar da pouca idade em termos de arbitragem, o Brasil é um dos países que mais desenvolve a modalidade no mundo.

OE: Mais desenvolve em que sentido? Existem números?

MS: Não é um país em que a população tem conhecimento de arbitragem, como França, Inglaterra ou Estados Unidos, mas o crescimento da modalidade no Brasil hoje supera o de outros países.

Na Câmara de Comércio Internacional (CCI), que é a instituição arbitral de maior renome no mundo, em Paris, o Brasil é o terceiro país em uso de arbitragem, depois da própria França e dos Estados Unidos. No Paraná, o uso da Arbitac [da Associação Comercial do Paraná], onde fui diretor e presidente, tem crescido bastante. Ela tem recebido casos, sendo que na maioria as partes colocaram as cláusulas no contrato.

OE: E em que tipos de contratos se usa a cláusula?

MS: Contratos de relação de consumo usam pouco e ainda é uma tese controversa, em razão da hipossuficiência do consumidor. Ela é mais usada em contratos de maior complexidade.

Em contratos internacionais, a regra é arbitragem a exceção é ir para o Judiciário. Em contratos brasileiros, aparecem cada vez mais, em função da experiência dos advogados no exterior e da inser,ção da matéria de arbitragem nas faculdades.

A longo prazo, as pessoas estão cada vez mais familiarizadas com o instituto e começam a disseminar, recomendar a utilização da cláusula. Há uma progressão geométrica.

OE: Qual é a segurança jurídica de uma decisão arbitral?

MS: O poder de execução é do Estado. Em um conflito, o árbitro decide que parte, por exemplo, tem que pagar. Se não pagar, a outra parte vai ao Judiciário e diz que tem um crédito.

Não pede ao juiz para ver quem tem razão, mas que ele diga à parte para que pague. E aí acontece um processo de execução normal, com pena de penhora dos bens para satisfazer o débito. Pois já foi obtida na arbitragem a decisão favorável.

Estatisticamente, a maioria das empresas cumpre com a decisão arbitral, sobretudo no contexto internacional. A empresa que não cumpre é um patinho feio no comércio internacional, não tem credibilidade e consequentemente perde negócios.

OE: O juiz tem compromisso de imparcialidade com o Estado e a sociedade. E com o árbitro, como é?

MS: O árbitro deve ser e se manter imparcial e independente em relação às partes. Quando é escolhido pelas partes ou pela instituição arbitral, o árbitro manifesta que não tem nenhuma relação que possa manchar a sua independência e imparcialidade. Se não revela [alguma informação importante], o laudo arbitral pode ser anulado no Judiciário.

OE: Essa anulação é comum?

MS: É exceção, mas acontece. O árbitro deve ser equiparado ao juiz nesse patamar: os critérios de suspeição e impedimento de juízes devem valer também para os árbitros. E o árbitro pode ser responsabilizado civil e até penalmente, se houver corrupção, por exemplo.

Para se sustentar, a arbitragem deve ter liberdade de contratar das partes, o conhecimento adequado por parte dos árbitros sobre a matéria e sobre a arbitragem, e suporte ao Judiciário. Não se fala bem da arbitragem falando mal do Judiciário.

Há uma colaboração entre eles. É insano imaginar que um juiz possa entender tudo de tudo. Mas o árbitro pode entender muito do pouco que é o objeto do conflito.

OE: Os fatos do Brasil ser futura sede de Copa do Mundo, Olimpíadas e de ter descobertas recentes importantes como o pré-sal, devem aumentar a escolha da arbitragem como solucionadora de conflitos?

MS: Sim, por dois motivos. Primeiro, porque vai aumentar o número de obras, sobretudo na área de infraestrutura. E, sendo empresas nacionais ou estrangeiras, a possibilidade de que seja colocada a arbitragem nos contratos é enorme.

Se espera um aumento muito grande dessas cláusulas nos contratos. A propósito, estou no Brasil com um cliente de uma empresa do Texas, que trabalha com exportação de equipamentos pesados, e está querendo chegar cedo para vender materiais para empresas brasileiras.

Todos os contratos que ele vai firmar terão cláusula compromissória. No início de dezembro, ainda, irei a Nova Iorque para dar um curso de treinamento para árbitros internacionais norte-americanos sobre o sistema jurídico brasileiro. Eles estão interessados no Brasil.

OE: O senhor esteve recentemente em eventos latino-americanos sobre o assunto. Qual o panorama da região?

MS: Na competição entre os países, eles querem mostrar aos investidores estrangeiros que são ambientes favoráveis à arbitragem. Isso ajuda a trazer negócios.

Hoje, na América Latina, há os países pró-arbitragem, como o Brasil, Chile, Peru, Colômbia e México, e os contra, que são Venezuela, Equador, Bolívia e, em certa medida, a Argentina. A economia dos países pró-arbitragem hoje cresce muito mais do que os outros.

Há um relacionamento do desenvolvimento econômico dos países com o maior ou menor uso da arbitragem, em função do tripé de seguranças econômica, política e jurídica.