As exportações brasileiras de carros subiram 20% de janeiro a agosto em relação ao ano passado, enquanto as vendas no mercado interno caíram 1,2%. Mas isso não significa que a indústria brasileira teve um súbito ganho de competitividade. A expansão nas vendas externas de automóveis é reflexo direto dos desequilíbrios da economia argentina, especialmente no que se refere às diferenças entre as taxas de câmbio e de inflação oficiais e as realmente praticadas no mercado.
Como os bancos remuneram as aplicações levando em conta taxas oficiais, investir em banco passou a ser sinônimo de perder dinheiro na Argentina. Segundo dados extraoficiais, a inflação no País ficou em 25,6% no ano passado, mais do que o dobro do porcentual admitido pelo governo, de 10,8%, que baliza os juros da economia. Sem melhor opção, a população opta por consumir – e o carro tem se tornado o bem preferido do argentino. De janeiro a agosto, as vendas de automóveis no país cresceram 9,6% na comparação com 2012.
Além disso, o governo argentino tem facilitado a compra de veículos. O Banco da Província de Buenos Aires, por exemplo, oferece financiamento de carros a taxas de 25% ao ano, em até 72 parcelas (seis anos), desde que o cliente concorde em contratar o seguro do veículo pela instituição. Quando se considera a taxa extraoficial de inflação, vista pelos economistas como mais próxima à realidade, o consumidor acaba comprando um veículo de forma subsidiada, já que o juro pago é inferior à alta dos preços.
Um terceiro fator que incentiva a compra de carros – especialmente importados – é o fato de que, ao transformar o valor do veículo em peso, as concessionárias são obrigadas a usar a taxa oficial de câmbio, atualmente em 5,70 pesos por dólar. Para quem tem dólares guardados em casa – um recurso comum entre os argentinos -, o ganho pode ser de 60%, pois no paralelo é possível trocar a moeda americana numa cotação em torno de 9,50 pesos.
Vantagem pontual
A súbita alta das exportações de veículos nacionais em 2013 pode ser totalmente creditada aos desequilíbrios econômicos na Argentina, segundo o executivo de uma montadora, que garante que não houve ganho de produtividade. Os números da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) mostram exatamente isso: a participação dos carros exportados do Brasil para a Argentina aumentou de 71,3% para 77,8% entre 2012 e 2013. As vendas para o país vizinho cresceram mais de 30%, bem acima da média geral das exportações.
O alívio para as exportações brasileiras de veículos, no entanto, pode não durar muito, de acordo com o argentino Mário Sacchi, professor do curso de relações internacionais da Faap. “A tendência do governo Cristina Kirchner é resolver as coisas na base da ‘canetada'”, diz. Ou seja: basta uma decisão para uma barreira ser imposta.
O professor diz também perceber uma mudança de discurso em relação à política econômica no país. Segundo Sacchi, o apoio à política intervencionista começa a perder força mesmo dentro do governo, à medida que a situação econômica se deteriora. “Hoje, há economistas que defendem que a inflação anual já está acima de 32%.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.