Argentina revoga decreto que pagava dívida com reservas

A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, revogou o polêmico decreto de criação do Fundo do Bicentenário, formado por US$ 6,5 bilhões das reservas do país para pagar a dívida em 2010. O anúncio foi feito pela própria presidente durante discurso de inauguração do ano legislativo no Congresso. Cristina também revelou que assinou um novo decreto para usar as reservas no pagamento de dívidas, porém com o controle de uma comissão bicameral, integrada por 16 parlamentares.

A oposição reagiu mal aos anúncios da presidente sobre a assinatura de um novo “decreto de necessidade e urgência”, similar à Medida Provisória no Brasil, para permitir o uso das reservas do país no pagamento de dívidas aos organismos internacionais e aos holdouts, os credores que não entraram na reestruturação de 2006, com os quais o governo negocia um novo swap. A presidente anunciou que o valor a ser transferido do BC para o Tesouro será de US$ 4,187 bilhões.

Cristina esclareceu que o decreto prevê o pagamento somente dos vencimentos deste ano e que todos eles serão detalhados para o devido acompanhamento de uma comissão parlamentar especial de monitoramento. “Assinei um acordo geral com os ministros, com discriminação absoluta do que vai ser pago, e, além disso, quero esclarecer que a dívida que se está pagando foi originada em governos anteriores”, disse a presidente em seu discurso de inauguração do ano legislativo.

Cristina detalhou que a comissão será formada por oito senadores e oito deputados. “É uma falta de respeito vir à sessão inaugural anunciar a revogação do decreto do Fundo do Bicentenário, que já está travado pela Justiça, e assinar novo decreto com o mesmo objetivo: pagar dívida com as reservas do país”, reclamou o deputado Alfonso Prat Gay, da Coalizão Cívica, de centro-esquerda.

Gay, que já foi presidente do Banco Central durante o governo de Néstor Kirchner (2003-2007), minimizou a decisão da presidente de criar, também por decreto, a comissão bicameral de monitoramento do uso das reservas, por parte do Executivo, no pagamento das dívidas. “Com a amiga no BC, o dinheiro será transferido para as contas do Tesouro dentro de 48 horas, no máximo, sem tempo para que a comissão seja formada e evite a manobra”, acusou o deputado, referindo-se à presidente da autoridade monetária Mercedes Marcó Del Pont, amiga de Cristina Kirchner.

A presidente iniciou seu discurso revelando que havia decidido revogar o decreto de criação do Fundo do Bicentenário, formado por US$ 6,5 bilhões das reservas, destinado ao cumprimento das obrigações financeiras de 2010. O fundo foi o estopim da crise que envolveu o Executivo e o BC, em janeiro, e terminou com o afastamento do presidente da instituição, Martín Redrado.

Suspenso pela Justiça, o fundo seria discutido pelo Congresso a partir desta semana. Sem maioria absoluta para aprová-lo, o governo se antecipou e revogou a criação do fundo. Mas o novo decreto tampouco possui apoio da oposição. “O governo está ignorando o parlamento, que é o âmbito natural de discussão sobre o uso das reservas de todos os argentinos. O Executivo não tem o direito de decidir sobre isso sozinho”, afirmou o deputado da Coalizão Cívica, Juan Carlos Moran.

“A notícia de editar um novo decreto de urgência para pagar dívida é um mau início de ano legislativo porque o âmbito de debate continua sendo o Congresso e não o Executivo”, concordou o líder da União Cívica Radical (UCR) no Senado, Gerardo Morales. Segundo ele, a atitude correta da Casa Rosada tem de ser a de enviar um projeto de lei para debater as alternativas de pagamento da dívida.

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