Argentina pede desconto de 75% para a dívida

O governo argentino pediu aos credores um desconto de 75% no valor de seus títulos de dívida como forma de retomar os pagamentos suspensos desde dezembro de 2001. A proposta foi apresentada ontem pelo ministro da Economia, Roberto Lavagna, e pelo secretário das Finanças, Guillermo Nielsen, em Dubai (Emirados Árabes), onde acontece a reunião da primavera do FMI (Fundo Monetário Internacional).

O desconto pedido pode parecer exagerado, mas a Argentina passou por uma grave crise financeira nos últimos anos, que fez o PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas pelo país) encolher mais de 20%. Além disso, a dívida argentina é muito grande se comparada ao tamanho da economia. Apenas aos credores privados – ficam então excluídos os débitos com organismos internacionais como o FMI – o país deve US$ 103 bilhões, enquanto o PIB não alcança US$ 85 bilhões.

Clima hostil

Apesar de saberem que terão de dar algum desconto para a Argentina pagar as dívidas, a proposta de Lavagna foi recebida com bastante mal-estar pelos credores, que devem exigir condições menos desfavoráveis.

A avaliação é de que a Argentina decidiu apresentar uma proposta ambiciosa de renegociação de sua dívida apenas para retomar as conversações, conforme havia sido acertado com o FMI no fechamento do último acordo, no começo deste mês, que permitiu a rolagem de US$ 21 bilhões em dívidas do país. Para os credores, as próximas propostas seriam bem mais realistas.

O dívida de US$ 103 bilhões da Argentina está metade em mãos de credores argentinos e a outra metade com estrangeiros. A proposta apresentada pelo governo para a renegociação desses papéis prevê isonomia para todos os credores.

Os argentinos, entretanto, devem aceitar mais facilmente a proposta, uma vez que o governo aceitou manter a moeda original dos papéis. Ou seja, os argentinos que usaram pesos para comprar títulos atrelados ao dólar devem receber papéis corrigidos pela moeda norte-americana, que teve valorização de quase 200% desde a moratória.

Nielsen e Lavagna também pretendem conceder três tipos de bônus aos credores em troca dos 99 tipos existentes atualmente. Os juros de um desses três novos bônus vão variar de acordo com o crescimento econômico do país.

FMI mostra “otimismo”

Ao contrário dos credores, o Fundo Monetário Internacional procurou mostrar otimismo com a possibilidade de a Argentina renegociar sua dívida, que está em moratória desde dezembro de 2001. Em nota, o FMI disse acreditar que muitos credores deverão participar e concordar com a renegociação mesmo com a proposta inicial argentina prevendo um desconto de 75% no valor da dívida.

“Uma expectativa-chave no programa apoiado pelo Fundo prevê que o diálogo em curso da Argentina com seus credores privados resultará num acordo de reestruturação da dívida que atraia uma ampla participação de credores”, diz a nota do FMI.

Apesar do desconto de 75% no valor da dívida ter desagradado aos bancos credores, o FMI vai apoiá-lo porque já deu sinais de que quer ajudar o país a se recuperar de sua maior crise financeira.

Prova disso foi o fechamento, no início deste mês, de um acordo que prevê a rolagem de US$ 21 bilhões em dívidas mesmo após a Argentina ter atrasado o pagamento de uma dívida de quase US$ 3 bilhões com o próprio Fundo.

Credores acham proposta “escandalosa”

Os credores italianos para quem a Argentina deve cerca de US$ 14 bilhões qualificaram de “escandalosa” a proposta do governo Néstor Kirchner, que ontem pediu um desconto de 75% de sua dívida de cerca de US$ 103 bilhões para voltar a efetuar seus pagamentos. “Conhecemos a proposta argentina e nossa avaliação não é positiva. A situação argentina não é normal, mas a proposta do ministro da Economia, Roberto Lavagna, nos parece escandalosa”, disse Mauro Sandri, advogado de um grupo de credores italianos.

Sandri deu suas declarações pouco antes de Lavagna divulgar suas propostas para reestruturar a dívida argentina durante o encontro do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Ele já conhecia a proposta.

Para o advogado, o FMI também é responsável pelo “default” declarado pela Argentina. Ele criticou o governo de Kirchner pelo recente acordo fechado com a instituição.

“Esse acordo em separado (com o FMI) é injusto e moralmente inaceitável”, disse Sandri ao se referir ao trato de reestruturação da dívida com o FMI por três anos.

Ele lamentou que os organismos multilaterais vão receber suas dívidas integralmente e os credores privados, que não são responsáveis pelo “default”, terão de aceitar descontos.

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