Foto: Arquivo/Agência Brasil |
Kirchner, com Lula: batalha do Pet pode pôr fim ao idílio. |
O idílio comercial que a Argentina e o Brasil desfrutam há mais de um ano começa a ser abalado pelo conflito sobre as vendas argentinas para o mercado brasileiro de resina de tereftalato de polietileno (Pet), utilizada para a elaboração de garrafas de refrigerantes, entre outros produtos. O governo do presidente argentino, Néstor Kirchner, preferiu passar por cima das instâncias preliminares do Mercosul e decidiu disparar artilharia pesada ao entrar com um pedido na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as medidas antidumping que o Brasil aplica desde 2005.
O pedido argentino contra o Brasil ocorre a menos de duas semanas da realização da cúpula de presidentes do Mercosul, que será realizada no Rio de Janeiro. Este é o terceiro conflito argentino-brasileiro que chega à OMC. Nas duas ocasiões anteriores, o acusador era o governo brasileiro. No entanto, em ambos casos, o processo para chegar até a instância da OMC tomou os caminhos normais. Neste terceiro conflito, o primeiro deflagrado pela Argentina contra o Brasil no âmbito da OMC, os passos preliminares foram deixados de lado. O modus operandi do governo argentino segue a linha adotada por Kirchner desde sua posse em 2003, a de ?bater primeiro para depois sentar à mesa de negociações e conversar?.
O recurso precipitado à OMC não é uma novidade por parte do governo Kirchner. Há poucos dias também recorreu à OMC contra o Chile, para eliminar um imposto adicional de 23% que o governo da presidente Michelle Bachelet havia decidido aplicar contra os laticínios Made in Argentina.
A cúpula do Rio de Janeiro, antes da Argentina recorrer à OMC contra o anfitrião do convescote presidencial do Cone Sul, já prometia ser tensa por causa da ?Guerra da Celulose?, denominação do conflito que há um ano e meio confronta a Argentina com o Uruguai, e cujo pivô é a construção de uma megafábrica de celulose no município uruguaio de Fray Bentos, sobre o rio Uruguai, que separa os dois países. Kirchner exige o fim das obras dessa fábrica (o maior investimento privado da História do Uruguai, de US$ 1,2 bilhão) por considerá-la uma ameaça ambiental.
As reclamações argentinas sobre as medidas antidumping brasileiras datam de 2005. De lá para cá, a discussão sobre a resina para o Pet sempre esteve na agenda das reuniões bilaterais, mas não registrou avanços, ao contrário de outros conflitos comerciais, tal como a definição do regime automotivo, as divergências sobre o comércio de eletrodomésticos e têxteis, entre outros, que (quase sempre com resultados desfavoráveis ao Brasil, cujos empresários foram obrigados a assinar acordos ?voluntários?) foram encerrados.
Segundo dados da consultoria Abeceb.com, a Argentina exportou em 2004 um total de 79,9 mil toneladas de resina de Pet para o Brasil, o equivalente a 87,9% das vendas argentinas desse produto para o exterior. Em 2005 – já com um segundo semestre afetado pelas medidas antidumping brasileiras -as exportações argentinas para o Brasil foram de 60,3 mil toneladas, o equivalente a 66,3% das vendas argentinas desse produto para o exterior. Em 2006 (dados de janeiro a outubro), já sob o efeito total das medidas antidumping, as vendas argentinas ao mercado brasileiro despencaram, sendo apenas de 717 toneladas. Isso equivale a 1,6% das exportações de resina de Pet Made in Argentina para o Brasil.
A Argentina produz 50% do Pet que consome, enquanto que importa os restantes 50%. A principal empresa de resina para Pet na Argentina é a empresa Voridian Argentina SRL, uma subsidiária da Eastman Chemical Company.
Fim do romance
Quando tomou posse, em maio de 2003, o presidente Kirchner iniciou um intenso romance político e comercial com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tudo indicava que Kirchner, que havia sido respaldado por Lula em plena campanha eleitoral contra seu rival, o ex-presidente Carlos Menem, não ressuscitaria os problemas comerciais surgidos a partir da recessão argentina de 1998, agravados com a desvalorização brasileira de 1999 e complicados mais ainda com a crise argentina de 2001. Mas o idílio Kirchner-Lula durou pouco.
O presidente argentino começou a apresentar-se como o paladino das indústrias nacionais e desatou uma intensa campanha antibrasileira com o argumento de que a Argentina estava sendo ?depredada? por uma ?avalanche? de produtos brasileiros.
Mas, desde meados de 2005, Kirchner trocou o Brasil pelo Uruguai como o bode expiatório da Argentina, e suavizou seu discurso com o maior sócio do Mercosul. Ao longo deste último ano, os dois países resolveram a maior parte das diferenças comerciais e até conseguiram definir a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). O mecanismo tem a missão de impedir eventuais ?invasões? de produtos brasileiros no mercado argentino e vice-versa. No entanto, a resina Pet poderia ser o pivô do fim da pausa que refrescou o clima entre os dois maiores sócios do Mercosul.
Os analistas destacam que Kirchner poderia utilizar um potencial conflito comercial com o Brasil com fins eleitorais. Em outubro serão realizadas as eleições presidenciais, às quais se apresentaria Kirchner à reeleição, ou – segundo especula-se no âmbito político – sua própria esposa, a primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner.
Cúpula do Mercosul
O governo argentino confirmou que Kirchner estará presente na Cúpula do Mercosul no Rio. Kirchner proporá que o bloco realize reformas para melhorar seu funcionamento.