Na região em que surgiu o novo caso suspeito de encefalopatia espongiforme bovina, conhecida como mal da vaca louca, no sudoeste de Mato Grosso, a fiscalização do trânsito de animais é precária.
Numa faixa de 160 quilômetros de fronteira entre o Brasil e a Bolívia, na mesma semana em que o caso foi constatado, a reportagem do ‘Estado’ encontrou dois postos de fiscalização em operação. No espaço de mais de cem quilômetros entre eles, há passagens pela fronteira sem a presença de fiscais.
Um dos postos está a 40 km da Fazenda Talismã, no município de Porto Espiridião, de onde saiu para o abate a vaca nelore com os sintomas da doença. O local, conhecido como Posto Fortuna, fica na MT-265, uma rodovia estadual não pavimentada que dá acesso à Bolívia.
Ali, apenas dois fiscais do Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) se revezam na abordagem dos veículos que deve ser ininterrupta, dia e noite. Enquanto um trabalha, o outro dorme – as acomodações são simples, mas confortáveis. No mês passado, um fiscal adoeceu e não havia substituto.
Por estar na rota de traficantes, os postos contam com a escolta de três policiais militares que se revezam na cobertura do trabalho dos agentes. O segundo posto fica em Corixa, próximo à boliviana San Matias, no acesso à BR-070, que liga a Bolívia a Cáceres (MT).
Entre uma barreira e outra, a reportagem encontrou, no lado brasileiro, dezenas de animais soltos na MT-265, a menos de um quilômetro do Posto Fortuna. No lado boliviano, além do gado transitando livremente até mesmo na linha de fronteira, há abate clandestino de animais.
Na vila de Ascension, moradores locais expunham partes de carcaças bovinas que seriam assadas no churrasco de inauguração de uma casa de jogos. Segundo um deles, Nestor Mora, é comum o gado boliviano ser levado para o lado brasileiro pelas “cabriteiras”, picadas abertas na mata por contrabandistas e traficantes de drogas.
De acordo com o fiscal agropecuário Denilson Nunes Pereira, a entrada do gado boliviano é proibida por razões sanitárias, já que não há controle, por exemplo, sobre as vacinações. Segundo ele, para elevar o nível de segurança, o governo brasileiro doa a vacina contra aftosa e faz a vacinação assistida do rebanho da Bolívia na fronteira.
As fazendas de gado se espalham entre Ascension, Las Petas e San Matias, mas a região não tem frigoríficos. O brasileiro Pedro Cândido, que mora em San Matias, diz que o gado é abatido em frigoríficos brasileiros. “Os criadores daqui repassam os novilhos para a terminação (engorda) em Mato Grosso.”
O agente do Indea informou que, ao longo da fronteira, existem nove postos fixos, além de equipes volantes. A reportagem percorreu mais de 400 quilômetros e não se deparou com nenhum posto volante.
Para o diretor de Relações Institucionais da Famato, Rogério Romanini, o controle dos agentes do Estado e do Ministério da Agricultura e Pecuária nas fazendas é eficiente.
Ele citou como exemplo a suspeita de vaca louca. Assim que os sintomas foram observados, quando a vaca esperava abate no frigorífico da JBS Friboi, os agentes interditaram a fazenda de onde saiu o animal e rastrearam o gado da vizinhança.
Por cautela, segundo ele, outros 49 bovinos foram submetidos ao abate de emergência. O material coletado para exame apresentou resultado negativo para a encefalopatia espongiforme bovina, conforme divulgou o ministério na quinta-feira.
“O caso está sendo tratado com total transparência. O gado foi abatido e incinerado mesmo com a certeza, agora confirmada pelos exames, de que estava sadio.” Os proprietários serão indenizados pelo Fundo Emergencial de Saúde Animal (Fesa), mantido pelo governo com recursos dos próprios pecuaristas.
Pasto fértil
No sudoeste de Mato Grosso, formam-se as cabeceiras do Pantanal, e as pastagens exuberantes atraíram criadores de gado de várias partes do País. A pecuária expandiu-se até se tornar a base da economia de muitas cidades.
De acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), a área já abriga quase um quarto dos 25,6 milhões de cabeças de gado do Estado, que tem o maior rebanho nacional.
Municípios como Porto Espiridião e São José de Quatro Marcos, onde a suspeita da doença foi constatada, têm rebanhos de 1 milhão de cabeças. Quatro Marcos, com 19,5 mil habitantes, “respira” boi, afirma o comerciante e pecuarista Joaquim Tanaka Tosta, dono de uma loja de insumos agropecuários.
“Se disser que 80% da nossa economia está ligada ao gado não é exagero. Basta dizer que as duas únicas empresas de porte são um frigorífico de bovinos e um laticínio.” Ele conta que o frigorífico da JBS Friboi emprega cerca de 900 pessoas, enquanto o laticínio Vencedor tem outros 300 funcionários.
O risco de colapso na cidade por causa da vaca louca assusta os moradores. Anísio Cássio de Almeida, do Sindicato Rural, diz que a hipótese é remota. “Está havendo um exagero. Foram confiscados e abatidos mais bois do que seria necessário.”
O criador Jorge Luiz Dantas acha que houve precipitação do veterinário. “A vaca louca pode estar em outro lugar, mas não aqui.” Ele reclama da condição das estradas na região. “O gado sofre mesmo é no transporte.”
As notícias sobre a vaca louca já reduziram o preço do boi na região. Segundo Dantas, o frigorífico estava pagando R$ 115 a arroba para o mercado interno e já baixou para R$ 113. Os leilões de gado também esfriaram.
Em Rondonópolis, a média para novilhos caiu de R$ 1.100 para R$ 950. Além da unidade da Friboi, outros frigoríficos instalados em Mirassol do Oeste, Pontes e Lacerda e Tangará disputam o rebanho da região.
O caso suspeito surgiu em um dos melhores momentos recentes da pecuária nacional. Segundo Romanini, da Famato, as cotações vinham subindo desde janeiro e deram uma freada, mas não foi por causa da suspeita de vaca louca. “O mercado acomodou, o que é normal.”