‘Aqui não é 0800, é 0300. Não faço nada de graça’

Nos próximos dias, o polêmico financista Lucio Bolonha Funaro vai partir para o ataque. Entrará com um recurso no Tribunal de Justiça do Ceará questionando a competência de um juiz do interior daquele Estado que estaria favorecendo uma empreiteira da região. A empresa em questão pouco lhe interessa. O problema é que certas medidas do juiz em favor dela, por tabela, dão vantagem a seu maior inimigo, a família Schahin, com quem trava uma briga que envolve valores que podem chegar a R$ 1 bilhão.

A construtora Schahin foi a responsável pelas obras da pequena central hidrelétrica de Apertadinho, em Rondônia, que pertence à Cebel, empresa ligada a Funaro, e que tem fundos de pensão como credores. A obra estava para ser inaugurada quando a barragem ruiu, em 2008. A disputa se dá em torno de quem vai arcar com os prejuízos. Recentemente, uma decisão que favorecia Funaro foi suspensa por esse juiz.

Funaro parece gostar de uma briga. Ele mesmo explicou a razão em uma entrevista de cinco horas que concedeu ao jornal O Estado de S. Paulo. “Eu falo o que quero e, se você quiser mover qualquer tipo de ação contra mim, eu estou à disposição para responder. E eu provo. Você quer correr o risco? Move a ação aí.” Um pequeno silêncio, mas logo vem o arremate. “Até hoje ninguém quis mover.”

Funaro é controverso. Ao mesmo tempo é chamado de “inteligente”e “divertido”, mas também de “louco” e “perigoso”. Tem um histórico complicado. Foi envolvido em várias investigações da Polícia Federal e do Ministério Público e, em algumas delas, acusado de crimes como lavagem de dinheiro. Ele tem a defesa pronta. “Nunca fui condenado – nem em primeira instância.”

Nos últimos dez anos, ele foi citado ou envolvido ou chamado a depor em boa parte das grandes investigações de lavagem de dinheiro do País. Operação Satiagraha, CPI dos Correios, caso Bancoop, para citar alguns. A mais recente e famosa em que seu nome apareceu foi a do mensalão. Seu dinheiro circulou em contas e em empresas que faziam parte do “valerioduto” montado pelo PT para pagar propinas.

Para não ir preso, assinou um acordo de delação premiada em que, se comenta, contou tudo que sabia naquele e em outros esquemas. Ele diz que apenas “resolveu um problema da forma como tinha que ser resolvida”, pois argumenta que foi envolvido sem saber do esquema. Assim, não importa como ou por quê, o fato é que, quando ele fala, causa alvoroço e, não é exagero dizer, um apavoramento geral.

Funaro não só sobreviveu ao mensalão como está ativo. Circula na cena política e também na empresarial, onde é chamado de “pessoa influente, com muitos contatos”, segundo executivos e empresários ouvidos pela reportagem.

Assessorias

A atual fama de bem relacionado não vem de seu afazer mais tradicional, o de operador no mercado financeiro, onde atua desde a juventude apostando nas bolsas de valores para terceiros e para si mesmo. Também não vem dos investimentos em ativos reais: ele planta eucalipto no interior de São Paulo, está iniciando um projeto que prevê a produção de soja e gado em 30 mil hectares em Mato Grosso e tem negócios em energia.

Tem chamado a atenção por costurar negócios e resolver litígios. “O mensalão acabou com todos os meus negócios. Todos”. Mas o relacionamento com um batalhão de advogados foi lhe abrindo novas portas que o levou a esse trabalho de assessoria, como chama.

Funaro atua em dois segmentos. Um deles é a solução de disputas societárias. “Como as pessoas acham que administrei bem problemas e brigas que tive, passei a fazer consultoria para empresas em litígios”. Funaro chegou a responder 100 processos ao mesmo tempo, de autuação fiscal a crime contra a administração pública. Restam uns 20. Acompanha um por um. “Leio tudo. Cada demanda judicial é que nem um filho bobo: você precisa olhar o tempo todo porque pode acontecer de tudo com ele.”

No momento, conta, assessora o grupo Bertin na disputa com o Grupos Dias, de Mato Grosso. Eles se desentenderam na sociedade feita para construir e operar pequenas usinas hidrelétricas no Pará. Esse caso já rendeu. Um ex-funcionário dos Bertins, que processa o grupo, tem outra versão. Diz no processo que os Bertins temem falir e que Funaro está lá para salvar o que for possível e enviar ao exterior.

Funaro nega: “Essa acusação é absurda e já abri um processo contra esse ex-funcionário. Os Bertins são velhos conhecidos dele. Foi Funaro que referendou a ida de Ricardo Knoepfelmacher, da Angra Partners, para reestruturar justamente a empresa de energia em 2011. “Ricardo K é meu amigo. E muito competente”. Procurado, Ricardo K não respondeu as ligações.

O outro segmento em que atua é o de fusões e aquisições. Apresenta eventuais vendedores e compradores. Se a transação vingar, cobra 5% sobre o total da transação – mais que o dobro da taxa aplicada por bancos de investimentos especializados nesse tipo de negócio. Funaro considera o porcentual justo. “Sua empresa está quebrada, precisa de caixa para ontem, está pagando juros de 5% ao mês: é caro ou barato? Eu respondo que é caro – eu não preciso. Para quem precisa, é barato”. E resume: “Não faço nada no 0800. Aqui é tudo 0300. É pago. Não faço nada de graça para os outros. Ninguém faz nada de graça para mim.”

Um desses negócios foi a intermediação para apresentar Evaldo Ulinski, proprietário do Big Frango, a Wesley Batista, presidente e sócio da JBS, a maior empresa de carnes do mundo. Os empresários se conheceram em jantar promovido na casa de Funaro. Os dois acabaram negociando algumas pequenas granjas. Para Ulinski, esses ativos não faziam parte do contrato com Funaro – que chegou a cobrar comissão na Justiça.

O relacionamento com os Batistas começou há alguns anos, quando Funaro conheceu Joesley Batista, presidente da J&F, holding da JBS e irmão de Wesley. “Conheci em Barretos. No social. Num dos casamentos dos Bertin.” Os Bertins são sócios dos Batistas.

Hoje Funaro avalia um negócio diferente com Joesley: a compra de uma casa do empresário, no bairro dos Jardins, um dos mais elegantes da capital paulista, adquirida pela empresa de Joesley, a JJMB, em fevereiro, por R$ 13,5 milhões, segundo escritura lavrada em cartório: “Tenho a opção de compra. Talvez coloque o meu apartamento no negócio. Estou avaliando enquanto a casa está em reforma.”

Funaro admira os Batistas. “O Joesley é um dos caras que têm mais potencial para fazer negócio no Brasil e o Wesley é capaz de trabalhar 50 horas seguidas.” Os Batistas não quiseram comentar as declarações de Funaro.

A percepção de que ele ganhou espaço no mundo empresarial se acentuou também por causa das pessoas com quem circula. Há cerca de dois anos, por exemplo, desembarcou em Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, para a inauguração da Eldorado, fábrica de celulose que também é do grupo dos Batistas, em avião privado acompanhado com dois dos principais executivos do JP Morgan, uma das maiores instituições financeiras globais. “Tenho negócios com o JP, como tenho com a maioria dos bancos de investimento”, diz. “Fui convidado para ir no avião.” O banco não comenta.

No retorno ao terminal após o evento, Funaro endossou a outra percepção recorrente sobre ele – a de ser destemperado. Descontente com um jatinho estacionado indevidamente, que travava as decolagens, Funaro expôs sua irritação com palavrões, em alto e bom som, para o piloto que não queria tirar a aeronave antes da chegada do patrão. Funaro sabia que o avião era de Fernando Simões, sócio presidente da empresa Julio Simões, e esbravejou comentários ferinos contra o empresário. Você acha que tem condição de o cara parar o avião na porta e ninguém decolar?” A assessoria de Simões disse que ele não se manifestaria.

Briga pessoal

A disputa com os Schahin em torno da usina de Apertadinho é o que lhe tira do sério hoje. Só os fundos de pensão cobram mais de R$ 500 milhões na Justiça. Funaro tinha uma sentença arbitral a seu favor, mas que foi anulada no Ceará. Os Schahin alegam que não são responsáveis pelo acidente.

Funaro diz que o grupo tem condição de arcar com a conta, pois há pessoas da família que acumulam milhões de dólares em uma centena de contas bancárias no exterior, além de manterem cerca de 70 empresas offshores. Em nota, o grupo Schahin informou que os integrantes da família não têm conta no exterior e que fazem parte do grupo “determinadas empresas domiciliadas no exterior, não dispondo elas de centenas de milhões de dólares em suas contas, mas valores absolutamente normais e compatíveis com o dia a dia dos respectivos negócios”.

Recentemente, Carlos Eduardo Schahin, um dos desafetos de Funaro, foi condenado na Justiça Federal paulista por ocultar bens no exterior. A assessoria do grupo disse que há um recurso da decisão.

Riqueza

Há quem diga que Funaro é bilionário. Ele nega. Diz apenas que tem um padrão de vida alto. “Há exageros sobre mim: tenho fama de rico, louco e de … não posso usar essa palavra”, diz com uma pausa. “Fama de rico, louco e galanteador.” O volume de autuações que recebeu da Receita Federal dá uma ideia de sua movimentação financeira: somaram mais de R$ 500 milhões, entre 2006 e 2008.

Funaro diz que as autuações estão sendo derrubadas e se referiam a operações de bolsa em que o Fisco não avaliou que o dinheiro movimentado servia como garantia para as operações e não eram lucros. Algumas das autuações foram anexadas a um processo judicial movido por um ex-contador. Nos documentos, há uma série de contas de empresas de Funaro com movimentações vultosas. Uma delas, no falido banco Cruzeiro do Sul, tinha R$ 225 milhões, mas Funaro não soube explicar por que teve autuação por essa movimentação.

Além do Fisco, a CVM também investigou suas operações no mercado financeiro. Ele foi um dos 77 investigados, junto com os ex-controladores do Cruzeiro do Sul e da Delta Engenharia, em um processo que apurava ganhos irregulares de corretores em detrimento de fundos de pensão. Funaro foi absolvido no caso. Mas em outro, também envolvendo fundos de pensão, foi condenado a pagar R$ 600 mil de multa e está recorrendo.

Funaro insiste que não tem medo de questionamentos e de acusações. “Não tenho medo de nada e de ninguém”, diz. Ou quase. Para alguém que se envolveu em tantas pendengas judiciais e policiais, outra de suas contradições é ser católico praticante. Vai à missa todos os domingos, confessa, comunga. Fez questão de ir a Aparecida ver o papa quando em visita ao Brasil. “Tenho medo de Deus”, diz. E emenda. “E da minha mulher.” As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

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