Com a falta de dinheiro em municípios do interior do Brasil, cada vez mais idosos viajam para sacar a aposentadoria. Eles têm feito a festa dos lojistas das cidades que têm bancos operando normalmente. Crateús, no Ceará, é um exemplo e atrai pensionistas de mais de dez cidades cearenses e piauienses.
Alguns viajam mais de 120 quilômetros e, antes de voltar para casa, deixam muitos reais no comércio local. Esse êxodo tem desidratado a economia das cidades sem dinheiro, onde comerciantes dizem que as vendas chegaram a cair à metade.
O calendário de pagamento do INSS é a principal referência do comércio de Crateús. Sede de cinco agências bancárias que operam com dinheiro vivo, o município tem a dinâmica alterada a cada fim de mês, quando aposentados da cidade e de fora começam a receber.
“O movimento chega a crescer 50% nos dias de pagamento dos aposentados. Tenho essa loja há 13 anos e eles nunca foram tão importantes”, diz Nordélia Aurélio, dona do Armazém Manuel Biel, a poucos metros da agência do Banco do Brasil.
Com o fechamento dos bancos nas cidades vizinhas, o fluxo de aposentados cresceu rapidamente. Funcionários do BB de Crateús dizem que o número de benefícios pagos mensalmente praticamente dobrou em dois anos. Com isso, o banco também aumentou expressivamente o volume de dinheiro em espécie movimentado.
A mudança causada pelos aposentados é visível no vaivém de carros particulares, vans e paus de arara que embarcam e desembarcam idosos em frente às agências bancárias e nas ruas comerciais.
Comerciantes dizem que esses forasteiros chegam a representar até 20% das vendas nos dias de pagamento do INSS.
É para Crateús que vai parte dos idosos de São Miguel do Tapuio, no Piauí (a 120 quilômetros dali, sendo mais de 30 quilômetros de estrada de terra) para ter na mão dinheiro vivo. Aposentados pagam até R$ 80 para ir e voltar – quase 10% da aposentadoria de um salário mínimo, padrão na região.
“Para receber a aposentadoria na lotérica de Independência, fico quarando na fila por dois, três dias. Aqui, é na hora”, argumenta Fátima Nascimento Oliveira, moradora de um município a 50 quilômetros dali. No mercado municipal, a aposentada comprava mais de R$ 100 em alimentos.
Realidade contrária
A situação é oposta nas cidades onde faltam cédulas e moedas. Nas três ruas comerciais de São Miguel do Tapuio, os negócios se arrastam depois que as duas agências bancárias e os Correios deixaram de operar com dinheiro. “Eu vendia mais de 50 sacos de milho por mês. Hoje, não saem nem 30”, lamenta Miguel Marques, dono de uma pequena loja de rações e bebidas.
Para não perder ainda mais clientes, comerciantes têm usado a criatividade. Na mercearia Helder Mercantil, a dona, Genise Cirino de Oliveira, criou uma espécie de consignado ao contrário para não perder as vendas. A comerciante permite que aposentados comprem sem pagar à vista desde que se comprometam a pagar algum boleto em nome da própria loja nos dias seguintes. “Se não fizesse isso, o movimento cairia ainda mais”. Por mês, o armazém paga mais de 20 boletos nesse consignado ao contrário.
Comerciantes e moradores têm pressionado autoridades para a reabertura das agências. Em Tapuio, o prefeito Lincoln Matos (PTB) já se reuniu com representantes dos bancos, mas o máximo que conseguiu foi a promessa de mais crédito para a agricultura do município. Dinheiro vivo que é bom, nada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.