Os analistas vêm tendo dificuldades em prever com precisão os números recentes da inflação, seja no varejo, seja no atacado. Os índices nas últimas semanas têm ficado sistematicamente abaixo das estimativas. Segundo os economistas consultados pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o motivo básico é a volatilidade intensa do grupo alimentação, que insiste em fugir de modelos econométricos, além de intervenções do governo – tanto nas tarifas públicas quanto na desoneração tributária de alguns produtos -, e de certa falta de orientação da política econômica.
Nesta semana, foram divulgados quatro dados de inflação que contavam com levantamentos do AE Projeções, com destaque para o IPCA-15, que saiu nesta sexta-feira, 19, e ficou em 0,07%. De 51 instituições participantes da sondagem, 37 tinham previsão acima do índice efetivo.
Para o Índice Geral de Preços -10 (IGP-10) de julho, conhecido na segunda, 15, a maior parte das apostas apontava para 0,56%, ante taxa real de 0,43%. De 35 casas consultadas, apenas três tinham previsão abaixo de 0,50%. Com isso, o mercado viu-se obrigado a rever sua projeção para a segunda prévia do IGP-M de julho, que sairia dois dias depois. A mediana das estimativas, já atualizadas, de 0,32%, distanciou-se 0,08 ponto porcentual da taxa real de 0,24%.
De volta à inflação do varejo, a maior parte das previsões para o IPC-Fipe da segunda quadrissemana de julho era de 0,05%, também mais elevada do que a taxa de 0,01% informada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), que, por sua vez esteve muito abaixo da expectativa da própria Fipe (0,07)%. Na semana passada, na primeira quadrissemana de julho, o IPC de 0,16% havia ficado abaixo do piso das projeções (0,17%).
Dificuldade
“O que acaba pesando (sobre as projeções) é a volatilidade dos alimentos, que acabaram caindo mais do que as pessoas esperavam”, disse a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Votorantim. “Tanto no varejo quanto no atacado, o item é bem volátil, e quando vira fica mais difícil acertar.”
O analista Étore Sanchez, da LCA Consultores, concorda que o sobe e desce dos preços de alguns produtos torna custoso o trabalho de especialistas em fazer projeção para indicadores de inflação, especialmente no curto prazo. “Quando a série fica muito volátil, sem direção, sem oscilar ao redor de uma média, isso tem aumentado a margem (de erro)”, avaliou.
A médio e longo prazos, o analista da LCA faz um alerta em relação às intervenções do governo, que tendem a atrapalhar a tarefa de fazer estimativas. Ele lembra do fato mais recente, que pegou todos no mercado de surpresa, que foram as manifestações em várias partes do País e que resultaram na revogação de reajustes de alguns preços administrados.
“Em dezembro de 2012, ninguém esperava que neste ano teríamos baixa dos administrados. Ninguém projetava isso. Houve a autorização do aumento e logo depois a revogação. Isso dificulta muito”, afirmou, ao referir-se ao cancelamento da alta das tarifas de transporte público em várias cidades brasileiras, após os protestos.
O professor da FEA-USP e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Rafael Costa Lima, considera importante a sinalização do governo em relação à economia para facilitar o trabalho dos agentes do mercado financeiro. Nesta gestão, contudo, observa que há um pouco de falta de clareza quanto ao rumo que o governo pretende dar à economia.
Segundo ele, a tarefa já tem uma dificuldade “intrínseca” que são preços sujeitos a choques de mercado, como o dos alimentos. “Ao longo dos governos FHC e Lula, tinha um sistema de meta de inflação muito claro. Sempre que saía do centro da meta, o juro subia. Se a inflação estava baixa, relaxava o juro. A conduta da equipe econômica era mais previsível. Nesse governo da presidente Dilma, ficou menos previsível.”
O professor complementa que em alguns momentos o Banco Central chegou a ser conivente com níveis de inflação sistematicamente mais altos do que o centro da meta de 4,50% ao ano. “Até passou a impressão de que os preços poderiam sair do controle, mas isso não aconteceu.”
Para Costa Lima, a postura do governo para segurar a inflação é bastante importante para driblar as expectativas dos agentes financeiros e medidas como as recentes desonerações deste ano acabam por gerar uma variância ainda maior nas estimativas. “Não necessariamente muda a trajetória da inflação, mas pontualmente mexe bastante. A inflação deste ano deve ser entre 0,70 e 0,80 ponto porcentual menor por conta da desoneração da tarifa de energia elétrica”, disse.
“A presidente Dilma disse que vai manter a inflação sob controle. O governo dá alguns sinais concretos. Tem gente que acredita e tem quem não acredita, o que é muito importante para a previsão de inflação”, completou.
Além de mencionar o intervencionismo do governo, que tem dificultado a tarefa de fazer projeção para inflação no curto prazo, o estrategista-chefe do Banco WestLB do Brasil, Luciano Rostagno, cita a desvalorização cambial como complicador. Segundo ele, a valorização recente da moeda norte-americana tende a atrapalhar o trabalho dos agentes nas estimativas de médio prazo. “A volatilidade do câmbio também gera problemas para projetar mais à frente porque fica difícil de prever exatamente qual será o repasse da alta nos preços”, afirmou.