O risco fiscal do Brasil entrou de vez no radar dos investidores. Depois da divulgação do déficit recorde das contas do setor público em setembro, que confirmou a piora do quadro fiscal, o mercado financeiro começou a se antecipar. Já pesam sobre as taxas de juros e sobre o câmbio um eventual rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco. O corte da nota pode ocorrer em 2014.
O resultado ruim das contas públicas reforçou no governo a urgência de ajuste nas receitas e despesas para reverter o risco do rebaixamento e a desconfiança com a política fiscal. Mas a melhora no curto prazo é considerada de difícil execução, pela ausência de um plano para “fechar a torneira” dos gastos.
Já é dado como certo que, por um bom tempo, não haverá como apresentar resultados consistentes. Ou seja, saldos positivos robustos nas contas públicas que não sejam ancorados em receitas extraordinárias, como as provenientes de programas de parcelamentos de dívidas de impostos (Refis) e pagamentos de dividendos dos bancos estatais.
Até mesmo para economistas do governo que acompanham a evolução das contas públicas, o governo pode ter agido tarde demais para evitar o rebaixamento da nota do País. Nos últimos meses, a equipe econômica vem renegando as práticas que alimentaram a desconfiança do mercado. Sinalizou que não adotará novas manobras contábeis para disfarçar os resultados das contas públicas, conterá a política de cortes de impostos setoriais, controlará a expansão dos bancos públicos e o repasse dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES.
Como aperto fiscal não combina com ano eleitoral e despesas pesadas com subsídios e novas desonerações já estão contratadas para 2014, a fatura maior do ajuste deverá ficar para o próximo presidente. O governo trabalha agora com uma margem pequena para mitigar o risco fiscal.
Tempestade
Deixar a situação como está em 2014, porém, é arriscado, porque o Brasil pode estar à beira da “tempestade perfeita”, como definiu em artigo recente no jornal Valor Econômico o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto. Essa tormenta pode abater o Brasil com uma eventual coincidência de a nota ser rebaixada por uma agência de risco em meados do ano que vem, ao mesmo tempo em que o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) retira os estímulos à economia. Nos dois casos, investidores poderiam tirar recursos do Brasil, o que desvalorizaria o real e pressionaria a inflação. A concretização desse cenário colocaria o governo Dilma Rousseff no córner em plena campanha, sendo forçado a elevar os juros e causar a alta do desemprego.
Se publicamente os integrantes da equipe econômica reduzem a importância da avaliação das agências de classificação de risco e das críticas de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), internamente o “fantasma” do rebaixamento assombra os gabinetes.
“O humor dos investidores azedou de vez com o fiscal”, admitiu uma fonte da área econômica. Essa preocupação levou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a anunciar medidas para conter gastos com abono salarial e seguro-desemprego. Segundo a fonte, o governo pode ter subestimado os riscos associados ao não cumprimento da meta fiscal em 2013, cenário que já está na conta do mercado. “Essa conta não sairá de graça”, reconhece.
No cenário atual, dependendo da adesão das empresas aos Refis, o esforço fiscal pode não ser muito maior que 1,5% do PIB, disse a fonte. Para 2014, o governo conta mais uma vez com a retomada do crescimento para melhorar o cenário fiscal. Se ela não vier com a força esperada, a arrecadação não crescerá como o previsto e o risco fiscal vai aumentar. Por isso, não está descartado o adiamento de desonerações tributárias previstas para entrar em vigor no ano que vem.
“O mercado já botou no preço o downgrade (rebaixamento da nota de risco)”, disse o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que considera, no entanto, “precoce” esse movimento de precificação do mercado, que impacta as taxas de juros no mercado futuro e o câmbio. Na sua avaliação, a incerteza em relação ao Fed “coloca mais munição” ao risco fiscal. “O Brasil não pode ser pego mais uma vez de calça curta”, adverte o economista. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.