São Paulo e Rio (AG) – A disparada do dólar, que até a sexta-feira já acumulava alta de 12,88% somente este mês, será um tormento para as empresas endividadas em dólar ou que não fizeram ?hedge?, ou seja, uma proteção contra a desvalorização cambial. Um levantamento da consultoria Austin Asis no balanço de 173 companhias de capital aberto mostra o tamanho do problema: a parcela da dívida corrigida pela moeda americana chegou a R$ 64,643 bilhões em março passado, o equivalente a 61,32% do débito total (de R$ 105,419 bilhões). Bem maior do que os R$ 53,775 bilhões – 53,22% de todo o endividamento (de R$ 101,044 bilhões) – registrados no fim do primeiro trimestre de 2001.
Estima-se no mercado que cerca de 70% dessa montanha em dívidas tenham algum tipo de proteção financeira para anular a subida abrupta do dólar. O restante, porém, deve resultar na diminuição dos resultados das empresas.
Além do impacto direto sobre o volume nominal da dívida, a alta do câmbio influi também sobre os custos para a importação de insumos e matérias-primas importadas, que dificilmente poderão ser repassados para o consumidor enquanto a economia não mostrar sinais de recuperação. Para a analista Sueli Melo, responsável pela pesquisa, parte desse efeito já poderá ser conferido no balanço do primeiro semestre.
– É difícil falar em valores ou estimar que empresa ou setor pode perder mais. Mas é possível dizer que o impacto será grande – garante a analista da Austin Asis.
O trabalho da consultoria apresenta as 173 empresas divididas, em 14 setores. Em valores percentuais, o setor de bebidas e fumo registrou o maior aumento da dívida indexada ao dólar. O débito pulou de R$ 1,435 bilhão, em março de 2001, para R$ 3,466 bilhões, uma alta de 141,44%.
Também chama a atenção a participação do dólar no total da dívida. Em nenhum dos 14 setores analisados essa participação ficou abaixo de 34,98%, percentual registrado pelo setor de material de transportes. De novo, o setor de bebidas e fumo se destaca: para um débito total de R$ 4,756 bilhões, a indexação a moedas estrangeiras chegou a 72,88% em março, contra 50,69% no igual período de 2001.
O diretor financeiro e de Relações com Investidores da AmBev, Felipe Dutra, diz que o endividamento em moeda estrangeira só é problemático quando o empresário não faz ?hedge?. Ele garante que a companhia não será afetada pela volatilidade das duas últimas semanas. Pelo balanço do primeiro trimestre, a AmBev tinha uma dívida consolidada de R$ 3,446 bilhões, sendo 76% em moeda estrangeira. Segundo Dutra, tudo isso está protegido.
Escaldada pelo sobe-e-desce do mercado, a AmBev foi além: contratou também proteção contra a oscilação de preços de seus principais insumos, como malte, lúpulo e até para a latinha de alumínio.
– Nossos custos variáveis somam cerca de US$ 600 milhões por ano. Deste valor, 45% já estão protegidos contra a oscilação do dólar – diz o executivo.
Em situação semelhante está a Companhia Siderúrgica Nacional. De acordo com o diretor financeiro da CSN, Otávio Lazcano, desde o ano passado a empresa faz operações de ?hedge?, protegendo totalmente os US$ 2,3 bilhões da dívida externa.
A Petrobras é outra que está imune à oscilação da moeda americana. Mas por outros motivos – como as reservas de petróleo, que são cotadas em dólar – a dívida da empresa (US$ 7 bilhões) está toda segurada.
No setor de telefonia, a Telemar é uma das que não temem a oscilação do dólar. Os números de março mostram que cerca de 90% da dívida da companhia (equivalente a R$ 5,8 bilhões) em dólar estão protegidos. Já a Embratel informa que 45% de sua dívida em moeda estrangeira (R$ 3,7 bilhões em março) estavam imunes aos humores do câmbio.
Com um endividamento de aproximadamente R$ 94 milhões, a Iochpe-Maxion, do setor mecânico, quer reduzir seu débito pela metade até o fim deste ano. Neste caso, explica o presidente do conselho de administração da companhia, Ivoncy Ioschpe, a redução virá do próprio esfriamento da economia: sem novos investimentos, não há razão para aumentar o estoque da dívida. Mas Ioschpe diz temer o impacto sobre os seus clientes:
– Clientes como as montadoras têm maior dependência de importados. Em tese, isso pode afetar o nível de novas encomendas.
Apesar das sucessivas intervenções do Banco Central, o dólar não dá sinais de trégua. O nervosismo é atribuído ao quadro eleitoral e às dúvidas sobre a dívida pública. Como resultado, há uma fuga de dólares do país. O saldo positivo das operações cambiais, que chegou a US$ 600 milhões até o dia 11, caiu no meio desta semana para cerca de US$ 15 milhões. Além disso, as empresas que captaram recursos no exterior dificilmente terão condições de rolar a dívida na virada do semestre e serão forçadas a trocar reais por dólares para saldar a dívida com os investidores. Em junho, vencem US$ 3,067 bilhões, o equivalente a 18,1% do total de vencimentos previstos para 2002 (US$ 16,983 bilhões), segundo a consultoria financeira Global Invest.
