Desde que o governo confirmou a suspeita de quatro focos de febre aftosa no Paraná, na última sexta-feira, o mercado de carnes no Estado parou completamente. A expectativa agora é quanto ao resultado do exame sorológico, que deve sair entre hoje e amanhã e irá confirmar, ou não, a suspeita. ?Está tudo parado. Não estamos nem comprando, nem abatendo, nem embarcando?, afirmou um funcionário do frigorífico Garantia, em Maringá, que preferiu não se identificar.
Segundo ele, enquanto não houver qualquer confirmação por parte do Ministério da Agricultura, tudo deve permanecer como está. ?Estamos amargando um prejuízo grande, mas ainda não tem como dizer quanto?, afirmou. O Garantia é um dos poucos frigoríficos do Paraná que exporta – quase 80% do volume vai para o mercado externo – e o abate diário é de cerca de 700 animais. Na sexta-feira, o frigorífico estava pagando R$ 53,00 pela arroba do boi. Ontem, a arroba nem preço tinha. São cerca de 1,2 mil funcionários, e, pelo menos por enquanto, a direção do frigorífico não pensa em conceder férias coletivas.
Outro gigante no ramo, o frigorífico Margem, também paralisou todas as atividades desde que surgiu a suspeita de focos de aftosa no Paraná. De acordo com José Roberto Milhorini, do setor de exportação da empresa, a demissão de funcionários não está descartada. As três unidades do Margem – em Paranavaí, Lupionópolis e Paiçandu – empregam juntas quase 1,5 mil pessoas. ?O Paraná não consegue comportar tudo o que produz de carne. Além disso, ter uma estrutura para exportação, mas atender apenas o mercado interno não é viável?, comentou. Nesse sentido, caso o foco seja confirmado, poderá haver demissões no frigorífico. As três unidades do grupo Margem abatem cerca de 1,5 mil cabeças de boi por dia; dessas, 60% vão para o mercado externo e 40% ficam no mercado interno.
Pecuária leiteira
Outro setor que vem sofrendo os prejuízos da suspeita de febre aftosa no Paraná é o da pecuária leiteira. Em Castro, região dos Campos Gerais, cerca de 400 produtores de leite ameaçam jogar o produto fora a partir de hoje, caso não haja uma flexibilização nas barreiras estabelecidas por São Paulo e Santa Catarina, para onde nem produtos industrializados e carnes desossadas estavam sendo vendidos. Em Castro, a 170 quilômetros de Curitiba, são produzidos diariamente 600 mil litros de leite, comercializados por meio de um pool com associados de três cooperativas. Ontem, a capacidade de armazenamento já estava quase esgotada, além de os caminhões estarem repletos de leite. Da produção, 70% é enviada para fora do Paraná, sobretudo para São Paulo.
Suínos
No Sudoeste, a preocupação maior é dos produtores de suínos. As indústrias que recebem os animais também estão com a capacidade no limite. Como a Frimesa, de Medianeira, a 585 quilômetros de Curitiba, que trabalha com industrialização de leite, carne de suínos e derivados. Da produção, 60% vai para outros estados e para a exportação, que sai pelo Porto de Itajaí (SC).
?É um absurdo?, classificou o diretor-executivo Elias Zydek, ao se referir à proibição de passagem de industrializados imposta por outros estados. Segundo ele, a empresa está com dez caminhões parados nas divisas. Zydek disse que, se não houver autorização para que os produtos industrializados cruzem as divisas, na quarta-feira o abate deve ser suspenso por falta de local de estocagem. A indústria mata por dia 1,7 mil animais. No caso do leite, já há uma redução desde sexta-feira de 23% no recebimento, que era de 800 mil litros por dia.??Nós podemos suportar até sexta-feira?, afirmou Zydek.
Seab recomenda que produtores não antecipem a vacinação
A Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Paraná, através da Divisão de Defesa Sanitária Animal (DDSA), do Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária (Defis), recomenda a todos os produtores do Paraná que não antecipem a vacinação contra a febre aftosa. A recomendação é válida, principalmente, para os municípios de Amaporã, Loanda, Grandes Rios e Maringá, e das áreas próximas às propriedades onde há animais com suspeita da doença. A campanha de vacinação contra a febre aftosa, oficialmente, terá início no dia 1.º de novembro e término no dia 20 do mesmo mês.
Segundo a DDSA, antecipar a vacinação poderá contribuir para a alteração dos resultados dos exames realizados em animais que se encontram nas regiões em torno das propriedades onde há suspeita da doença. Com isso, caso as suspeitas sejam confirmadas, ao invés de o Paraná recuperar o status sanitário de estado livre de aftosa com vacinação em seis meses, poderá levar dois anos para voltar a ser considerado livre da doença. Além disso, a Secretaria da Agricultura também recomenda aos produtores que evitem, ao máximo, o movimento de animais.
Fiscalização
Fiscais da Secretaria da Agricultura, Núcleo Regional de Umuarama, percorreram nos últimos dias as ilhas do Rio Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul, para verificar a situação de animais da região. Foi uma ação preventiva, uma vez que o local fica próximo aos municípios do Mato Grosso do Sul que tiveram focos de febre aftosa confirmados. Durante 4 dias, os técnicos vistoriaram ilhas nos municípios de Altônia, São Jorge do Patrocínio, Alto Paraíso e Icaraíma, no trecho que vai da foz do Rio Ivaí até a foz do Rio Piquiri.
A preocupação da Secretaria da Agricultura é que algum produtor tente atravessar o Rio Paraná de balsa, através da ilhas, com o propósito de fugir dos postos de fiscalização junto às pontes que separam o Mato Grosso do Sul do Paraná. Foram encontrados 125 animais em quatro propriedades, mas nenhum com sintomas de febre aftosa. Mesmo assim, todos foram vacinados pelos técnicos da Secretaria da Agricultura.
Fundo privado tem R$ 18,9 mi para indenizações
Caso os focos de febre aftosa realmente se confirmem no Paraná, os criadores de gado terão pelo menos um alento. O Fundo de Desenvolvimento da Agropecuária no Paraná (Fundepec-PR) prevê o pagamento de indenizações aos pecuaristas que tiverem rebanhos sacrificados. Os recursos somam R$ 18,9 milhões, sendo que a maior parte (R$ 14,1 milhões) se destina aos bovinos. O valor restante engloba ajuda emergencial a suínos, aves, eqüídeos, ovinos e caprinos.
?Os recursos só poderão ser acionados quando houver abate sanitário?, esclareceu o assessor da Federação da Agricultura no Estado do Paraná (Faep), Carlos Augusto Albuquerque. Segundo ele, deverá ser instituída uma comissão que irá definir o valor da indenização conforme o peso e outras características de animais. ?Gado de raça, como touros reprodutores, não deverão ser ressarcidos conforme valor de mercado, mas como animais comuns?, ponderou Albuquerque.
Apesar dos recursos do fundo, o assessor da Faep afirmou que o Estado precisará ainda da ajuda federal. ?O setor (bovinocultura) movimenta US$ 3 bilhões no País. É uma vergonha o governo federal não dar a devida atenção?, criticou. Ontem, representantes do setor – Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados, Ocepar, Faep, entre outros – estiveram reunidos na sede da Faep. Segundo Albuquerque, a reunião não teve como objetivo chegar a decisões. ?O governo do Estado nos passou como está a situação, o que vem sendo feito?, disse apenas.
O fundo emergencial de combate à aftosa (Fundepec-PR) foi constituído em 1995 por 11 entidades privadas. Em 2001 e 2002, foram arrecadados R$ 0,25 por cabeça de gado. O valor, que somava R$ 8 milhões na época, foi aplicado no mercado de capitais. Em agosto último, conforme balanço divulgado no site da Faep, o valor chegava a R$ 14,1 milhões. O último caso de febre aftosa no Paraná ocorreu em maio de 95, na região de Umuarama. Na época, cerca de 600 animais foram sacrificados. (Lyrian Saiki)
Deputados criticam recusa da ajuda de R$ 1,5 milhão
Diogo Dreyer
O vice-governador e secretário da Agricultura e do Abastecimento, Orlando Pessuti, esteve ontem na Assembléia Legislativa a convite dos deputados. Os parlamentares queriam saber como animais do Mato Grosso do Sul com suspeita de febre aftosa entraram no Estado e as medidas de prevenção e combate que estão sendo realizadas pelo governo estadual. Mas a grande preocupação dos deputados se mostrou ser mesmo o R$ 1,5 milhão que o governo federal destinaria para o Paraná para ajudar a sanar o problema recusado pelo governador Roberto Requião.
?A partir do momento em que o Estado abre mão dos recursos que o governo Lula colocou à disposição do Estado, não têm direito de reclamar se por acaso tenhamos que enfrentar aqui uma crise de aftosa?, disse o líder da oposição, deputado Valdir Rossoni (PSDB). O deputado André Vargas (PT) fez um apelo ao secretário para esse dinheiro não seja devolvido. ?O governador não tem direito de recusar esses recursos?. Pessuti respondeu que os valores ainda não foram enviados e que o Estado possui recursos suficientes para o trabalho numa situação de normalidade. ?Concordo com o governador que esse dinheiro será melhor empregado no combate à aftosa no Mato Grosso do Sul?, disse. Entretanto, afirmou que no caso de foco da doença ou de epidemia, novos recursos serão enviados para o controle da doença e possíveis indenizações de produtores.
Já o deputado Plauto Miró (PFL) disse que a hipótese de febre aftosa no Paraná já trouxe resultados negativos, com a interdição dos caminhões na divisa com São Paulo. ?O leite perecível está dentro dos caminhões e os produtores não sabem o que fazer com essa mercadoria?, disse.
Início
Pessuti afirmou que o surto da aftosa pode ter surgido na cidade de Japorã (MS) em setembro e não em outubro, como foi divulgado pelo Ministério da Agricultura e pelo estado vizinho, quando naquele mês um proprietário já havia observado sinais que seu rebanho estava contaminado. ?Houve falha do pecuarista e depois do governo do Mato Grosso do Sul e também do Ministério da Agricultura, que deviam ter alertado sobre as suspeitas do surgimento da aftosa. Caso isso tivesse ocorrido, teríamos proibido que os animais que participaram da feira Eurozebu, em Londrina, contaminassem as propriedades do Paraná?, afirmou.
O secretário revelou que das 70 propriedades inspecionadas pela Seab até agora, apenas quatro apresentaram suspeitas. ?Dos 5,1 mil animais analisados apenas 19 tiveram a identificação de algum sintoma. Entretanto essa sintomatologia pode surgir pela presença de outras doenças.?