O acordo que pode levar ao fim da guerra comercial entre Estados Unidos e China – anunciado em 11 de outubro – não é um acordo real, pois não alcança os temas mais relevantes do embate, como subsídios e tecnologia, segundo Cliff Tan, economista-chefe do Banco MUFG (Mitsubishi UFJ Financial Group) na Ásia. “O que foi anunciado é um acordo apenas no nome”, disse. Tan vê com ceticismo a possibilidade de a China comprar entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões de produtos agrícolas dos EUA – como se comprometeu -, pois, para isso, teria de se indispor com parceiros comerciais importantes, como o Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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A primeira fase do acordo entre China e EUA pode ser o início do fim da guerra comercial?

Acho que o que foi anunciado é um acordo apenas no nome. Não é um acordo real, pois não tem mudanças significativas nos temas complexos, como transferência de tecnologia e subsídios. Sou cético em relação à possibilidade de a China comprar de US$ 40 bilhões a US$ 50 bilhões de produtos agrícolas americanos. O recorde de compra é algo como US$ 30 bilhões. Mas, nos anos recentes, foi menos. A China provavelmente vai usar o acordo como uma ameaça. Se Trump não for flexível, não continuará com as compras. O objetivo da China é se livrar ao máximo das tarifas. Estão jogando duro com Trump e tentando ver se ele cede diante da campanha de reeleição.

Como a eleição está interferindo nas negociações?

Estamos lendo quase tudo pelas lentes da eleição. Quando Trump anunciou o acordo, enfatizou os benefícios para os fazendeiros, em particular dos Estados de Iowa e Nebraska. Em julho, houve um encontro de Trump com o embaixador dos EUA na China, Terry Branstad. Originalmente, o encontro era para ser sobre como as negociações estavam indo. Mas, antes da reunião, Trump havia feito algumas mudanças na política de etanol dos EUA e irritado os fazendeiros. Pela primeira vez, pareceu que poderia perder apoio substancial na base rural. Terry Branstad foi governador de Iowa, uma região de produção de milho, e o etanol é muito importante para Iowa e Nebraska. Adivinhe quais Estados Trump mencionou quando anunciou a primeira fase do acordo? Iowa e Nebraska.

Mas os mercados receberam bem o anúncio.

Alguns mercados. Acho que Trump se comprometeu a não escalar. Isso já é algo. A mensagem mais importante é que a disputa entre EUA e China começou no comércio, mas se expandiu para muitas áreas: empresas em lista negra, investimento estrangeiro direto, câmbio. Então, mesmo se tivermos um acordo comercial, não significa que a relação entre EUA e China será normalizada.

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Houve um vencedor nessa primeira fase do acordo?

Não há um vencedor em guerras comerciais. Há apenas aqueles que perdem menos. Pelo que foi anunciado até agora, parece que a China perdeu menos. A única coisa que ela ofereceu foi a maior compra de produtos agrícolas. Não ofereceu concessões em subsídios. Eles (os chineses) acham que Trump é vulnerável e estão tentando empurrá-lo para rescindir as tarifas.

Trump pode recuar?

Não achamos que isso vai acontecer. Se o fizer, vai parecer para muita gente que ele perdeu, principalmente para sua base. Muitos dos fazendeiros que mencionei acham que é um dever patriótico aguentar um pouco de dor, porque é certo que os EUA batalhem com a China. Mas, se Trump ceder, eles vão pensar: ‘Sacrifiquei anos do meu negócio para quê?’ Ceder para a China não ajudará Trump a ser reeleito.

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Quais podem ser os impactos para o Brasil?

Se a demanda global desacelerar de 4% para 1% ou 2%, isso é muito relevante para o Brasil em termos de exportações. Depois, uma das razões pelas quais estamos céticos (em relação ao acordo) é que não é tão fácil para a China parar de comprar de muitos outros países e só comprar dos EUA. A China tem de gerenciar suas relações bilaterais uma por uma. O Brasil, por exemplo, não é um parceiro sem importância.

Dado esse cenário da guerra comercial, o que esperar para a economia global em 2020?

Um ano de desaceleração. O fator de incerteza, produzido principalmente por Trump, não vai embora. Depois, a Europa está se encaminhando para uma possível recessão. Parte tem a ver com a guerra comercial, mas não acho que seja a única razão. A Europa falhou em consertar os balanços de muitos bancos. A economia alemã está mais fraca do que imaginávamos e a japonesa também. A China não é mais capaz de estimular o crescimento como antes por causa da dívida. Não achamos que os EUA vão entrar em recessão, mas Europa, Japão, China e guerra comercial são suficientes para desacelerar o crescimento global. Se a economia global cresce menos de 3%, será uma recessão.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.