“Acordo para inglês ver” ou “carta de intenções para melhorar o mercado”? Não há meio termo quando se trata do recente acordo firmado entre entidades do governo, Justiça e representantes do setor imobiliário. O entendimento cria regras para questões polêmicas, como as multas por atraso de obras ou pela devolução de imóveis comprados na planta (distrato). Algumas taxas controversas, como a de corretagem, também ganharam regulação.
Qualquer que seja o time do interlocutor, a conclusão é que o tratado é o primeiro passo para tentar regular práticas do setor. O documento não tem a mesma força de uma lei, mas quer reduzir o excesso de ações judiciais.
Do lado do governo, a diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), Lorena Tavares, vê a medida como uma forma de agilizar o processo de devolução de imóveis. “Precisávamos mitigar os prejuízos das empresas com os distratos, ainda mais no atual contexto econômico.”
Mas ela não isenta as incorporadoras da parcela de culpa que lhes cabe. “As irregularidades dos contratos que estão aí na rua contribuíram para as decisões na Justiça que dão amplo direito de ressarcimento aos consumidores”, afirma.
Em 2015, os distratos representaram 46% das vendas de imóveis, ou 50 mil unidades, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc), que reúne 19 empresas do setor. Entidades de defesa do consumidor e advogados veem o acordo com desconfiança ou, quando muito, com efeito limitado.
Marcelo Tapai, sócio do Tapai Advogados, que tem esses consumidores como os principais clientes, critica o texto e diz que ele representa um retrocesso em relação ao que já tem sido decidido na Justiça.
Lorena, do DPDC, argumenta que é esperada uma melhora do nível dos contratos e redução de cobranças ilegais. No caso dos distratos, por exemplo, ela diz que o ressarcimento ao consumidor não precisará ser tão vantajoso como hoje.
Rossana Fernandes Duarte, sócia do escritório Mattos Filho, com destacada atuação no ramo empresarial, diz ter dúvidas sobre a eficácia do documento. Mas considera que, ao menos, os atritos podem diminuir. “Vejo potencial para tornar os consumidores mais conscientes e os empreendedores mais responsáveis”, diz.
Para Rossana, o impacto no curto prazo, se ocorrer, será mais sentido no Rio de Janeiro, já que o Tribunal de Justiça do Estado é signatário do acordo. O desembargador Werson Rêgo, do TJ-RJ, participou das discussões. Ele rebate as críticas e diz que há mais condições favoráveis ao consumidor do que desfavoráveis. “Agora temos uma regra clara, pode não ser melhor do que algumas decisões judiciais, mas certamente não é pior”, afirma. Ele reconhece, porém, que a questão do distrato é polêmica.
Marco Aurélio Luz, presidente da Associação de Mutuários de São Paulo (Amspa), vê o acordo com ressalvas. “Se funcionar e permitir a devolução de valores pagos por fora, como taxa de corretagem, pode ser bom”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.