A atuação política na Caixa Econômica pode ter desequilibrado o mercado financeiro, já que o banco público emprestava com juros menores a quem não devia. A afirmação foi feita pelo procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo e ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Ele conduz as investigações das operações Sépsis (que apura irregularidades em aporte do fundo de investimento do FGTS), da Cui Bono? (que investiga corrupção na liberação de empréstimos pela vice-presidência de pessoa jurídica da Caixa) e a própria Greenfield (cujo foco são desvios nos maiores fundos de pensão do País).
Na semana passada, depois das recomendações do Ministério Público Federal e do Banco Central, o presidente Michel Temer determinou o afastamento de quatro vice-presidentes do banco por suspeita de corrupção e irregularidades.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Com que cenário o MPF se deparou quando chegou à Caixa?
Ficou muito claro que o esquema geral de indicações políticas para composição do conselho diretor e das vice-presidências proporcionaram um tipo de relacionamento espúrio que não só deu espaço para toda sorte de corrupções ou de atuações irregulares, como também acaba sendo elemento de fragilização do relacionamento com o mercado.
As indicações políticas estão na origem da corrupção encontrada na Caixa?
O funcionamento geral da governança do banco propicia esse tipo de ilicitude. Não é só uma questão de indicação política. É toda uma estrutura de funcionamento e seleção de pessoas que acaba dando asas a esse tipo de coisa.
A preocupação do MPF com a Caixa diminui com o afastamento dos quatro executivos?
Nossa recomendação em dezembro não era de afastar os quatro vice-presidentes, não fulanizamos a recomendação. Buscamos que houvesse um cronograma público e adequado de substituição dos vice-presidentes por meio de mecanismos profissionais, com a contratação de uma empresa de headhunter (consultoria especializada em contratar executivos). Não adianta afastar e trocar seis por meia dúzia. O ideal é alterar o modo seleção para que os ilícitos não se repitam.
Os mesmos partidos que indicaram os vices afastados agora cobram a nomeação de novos executivos indicados por eles.
Isso atesta o que nós afirmamos: que se busca utilizar o banco público não para aquilo que ele serve e que é previsto na legislação, mas para alimentar pretensões político-partidárias.
A Caixa segue uma série de regras financeiras, como do Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários. Esse arcabouço do mundo financeiro foi inválido?
Ele comprovadamente não foi (válido) e não está sendo. Pelas investigações, está plenamente demonstrado que a gestão não é baseada na atuação técnica. Existe um componente político que não deveria existir. Uma instituição financeira, seja privada ou pública, tem de ser gerida de forma absolutamente profissional. No caso da Caixa, está claro que essa estrutura normativa não foi suficiente para garantir uma gestão profissional e isenta de riscos políticos.
Uma crítica que se faz é que o Executivo, como controlador do banco público, pode escolher pessoas de confiança para gerir essa instituição.
A pergunta que deve existir é: qual é o interesse de se indicar pessoas com comprometimento político para a direção de estatais? É justamente gerar um relacionamento espúrio entre os que estão ali alocados com os agentes patrocinadores políticos e as empresas que acabam tendo acesso diferenciado a essa estatal, dependendo da vinculação política. Isso não só gera risco moral, como um grande risco de desvirtuamento de corrupção no mercado. O Estado deve agir de forma a não gerar desequilíbrio. Não pode ser uma intervenção manipuladora. Quando o Estado se corrompe e corrompe as estatais, ele acaba corrompendo o próprio mercado.
Durante a investigação, foi encontrado algum sinal de risco sistêmico?
Não acreditamos que exista, no momento, risco sistêmico. Não é disso que se trata. O que existe é um grande risco moral, reputacional e de corrupção no mercado. Se o banco público tem critérios não técnicos para selecionar clientes ou operações de crédito, isso afeta o custo de capital de diversas empresas. Quando você tem um custo de capital distinto em razão de critérios políticos há risco de concorrência corrompida, o que é um grande elemento de geração de ineficiência.
O senhor não teme ser acusado de interferir no mercado, que em tese, deveria se autoajustar?
O que estamos tentando corrigir é, justamente, a deturpação do mercado. Queremos que o mercado volte à normalidade. Se identificamos que as decisões não estão sendo pautadas por critérios econômico-financeiros, mas por critérios de influência política e corrupção, o que estamos fazendo é restituir a normalidade ao mercado. Trata-se de restituir uma concorrência leal e uma regularidade que estavam sendo corrompidas pela ação ilícita de uma organização criminosa.
A investigação mostrou que um grupo de empresas tinha facilidades na Caixa?
Exatamente, ou que passaram a ter facilidades após se relacionarem com a organização criminosa composta por agentes políticos.
Sem esse esquema, a Caixa poderia ter uma alocação mais eficiente de recursos e até um lucro maior?
Alocação mais eficiente, lucro maior e mercado mais regular e normalizado.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.