A operação de resgate do Banco Panamericano não salvou apenas o pescoço do empresário e comunicador Silvio Santos, que escapou de perder boa parte da fortuna se a instituição financeira quebrasse. A ação também livrou a Caixa Econômica Federal, que se tornara sócia do banco, de um rosário de dificuldades. Caso o Panamericano se arruinasse financeiramente, além de perder os R$ 740 milhões aplicados na compra do banco, a Caixa, provavelmente, ficaria exposta a uma chuva de processos movidos por clientes e empresas que se sentissem prejudicados com a falência – assim como Silvio Santos.
Por ser um banco do governo, no entanto, a Caixa ainda poderia ser acionada por qualquer cidadão. Diretores e membros do Conselho de Administração indicados pela Caixa teriam os bens imediatamente bloqueados por força de lei – ainda que não estivessem no banco quando foi produzido o rombo de R$ 4,3 bilhões. Entre eles, a presidente da Caixa, Maria Fernanda Ramos Coelho, que também preside o Conselho do Panamericano.
“Seria um custo político muito grande no início de um governo”, diz um advogado especializado em Direito Bancário. Consultada sobre as consequências de uma eventual quebra do Panamericano, a Caixa enviou uma nota em que descreve procedimentos contábeis que tomará daqui para a frente.
Fraude
Em setembro, o Banco Central (BC) descobriu um rombo de R$ 2,5 bilhões no Panamericano, decorrente de fraudes na contabilidade. A questão veio a público em novembro, com uma solução articulada nos bastidores: o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), espécie de fundo de emergência para proteger clientes de bancos quebrados, cobriu o buraco. O empresário e comunicador deu o patrimônio como garantia.
Na ocasião, uma nova diretoria foi indicada para o banco. Em grande parte, era composta por executivos da Caixa. Em dezembro de 2009, o banco federal havia comprado 36% do capital total do Panamericano (49% do votante). A nova administração descobriu que a farsa na contabilidade era ainda maior. O novo rombo somava R$ 1,3 bilhão. O Panamericano foi salvo no fim de janeiro, quando o banco de investimentos BTG Pactual comprou a participação de Silvio Santos por R$ 450 milhões. Ao FGC, sobrou um calote de R$ 3,4 bilhões.
Socorro
O socorro ao Panamericano teve participação direta do presidente do BC, Alexandre Tombini. Na fase mais tensa da negociação, no último fim de semana de janeiro, Tombini pressionou Silvio Santos e os banqueiros que controlam o FGC. De acordo com fontes que acompanharam o processo, o empresário não queria assumir o segundo rombo e ameaçava deixar o banco quebrar
Na quinta-feira anterior ao início das negociações, que vararam o fim de semana, Silvio Santos foi ao prédio do FGC dizer que, na primeira vez, tinha assumido o prejuízo. O novo conflito deveria ser resolvido pelos bancos. “Liquida o banco”, dizia. “Estou protegido. Vou viver em Orlando (Estados Unidos) com minhas filhas.” Procurado em várias ocasiões, ele não quis se pronunciar.
Silvio Santos também bradava que, no Brasil, quem quebra banco não vai para a cadeia. “Veja o que aconteceu com o Edemar (Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, que quebrou em 2004)”, afirmava. Aqui, uma curiosidade: uma das filhas de Silvio (Rebeca) era casada com Leonardo, filho de Edemar. Eles separaram-se pouco antes da explosão do caso Panamericano.
Os chefes dos maiores bancos do País foram ao prédio do FGC um dia depois de Silvio para discutir o que fazer com o empresário e o Panamericano. Estavam lá os presidentes do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão, do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, e do Santander, Fábio Barbosa.
A maioria não queria que o FGC pusesse mais dinheiro no Panamericano. Nesse dia, o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, avisou que topava comprar a parte de Silvio e mandou o próprio pessoal devassar os números do Panamericano no sábado e no domingo. Esteves não queria, porém, herdar os esqueletos do Panamericano e exigia o banco limpo de dívidas.
Domingo, o presidente do BC voou para São Paulo e juntou-se os banqueiros para tentar convencê-los a abrir o cofre do FGC de novo, o que permitiria que a proposta de Esteves avançasse. Conseguiu, após afirmar, entre outras coisas, que a quebra do Panamericano poderia pôr em risco uma dezena de instituições de pequeno e médio porte.
Desfecho – Segunda-feira, foi a vez de Tombini demover Silvio Santos. O empresário aceitara a proposta, mas recuou. “Por que vou dar essa colher de chá para o André (Esteves)?”, dizia. À tarde, recebeu uma ligação de Tombini. Além disso, Esteves detalhou a oferta para o atual presidente do Grupo Silvio Santos, Guilherme Stoliar, sobrinho e braço direito de Silvio. O empresário, enfim, topou. O negócio foi assinado à noite, na sede do BTG, em São Paulo, exatos 82 dias depois de uma mensagem deixada por Silvio no celular de um dos executivos que negociaram o primeiro aporte do FGC no Panamericano. Com a voz inconfundível, o empresário encerrou o recado dizendo: “Podem estar certos de que o Fundo não vai ter nenhum prejuízo comigo.” Como se sabe, o FGC amargou a perda bilionária. Silvio perdeu o banco, mas salvou as outras empresas. A Caixa, provavelmente, escapou de um tremendo obstáculo.