O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, conhece o assunto como poucos. Engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalc), da USP, e ele próprio empresário rural, Rodrigues, de 77 anos, fala nesta entrevista ao jornal O Estado de São Paulo sobre o impacto negativo da liberação de agrotóxicos e das queimadas na imagem do Brasil no exterior. Fala, também, sobre o renascimento do setor de açúcar e álcool, depois da crise que abalou a área no governo Dilma, o aumento do preço da carne e o efeito do surto de coronavírus nas exportações do Brasil para a China.
O governo Bolsonaro tem sido muito criticado no Brasil e no exterior por ter liberado cerca de 500 agrotóxicos em apenas um ano. Como o sr. vê essa questão?
É um pouco a diferença entre o fato e a versão. A verdade é que, até o governo Temer, liberar um defensivo agrícola no Brasil demorava em média oito anos. Nos países desenvolvidos, leva entre um e dois anos. Toda empresa que faz um investimento numa nova molécula está buscando mais sustentabilidade. Ninguém é louco de fazer um negócio mais agressivo ao meio ambiente num cenário em que a questão ambiental é uma preocupação da maioria da população mundial, sobretudo a juventude. Nós ficamos muito tempo amarrados no mercado por causa de uma idiotice burocrática, meio ideológica.
A liberação dos agrotóxicos e principalmente as queimadas na Amazônia prejudicaram muito a imagem do Brasil lá fora. Qual a sua avaliação da ação do governo em relação ao problema?
O governo foi um pouco desastrado na comunicação do incêndio na Amazônia. Aquilo acabou estimulando uma associação com o acordo entre a União Europeia e o Mercosul por parte do agricultor europeu, que precisava de um argumento para justificar sua posição contra o tratado. O incêndio levou ao desmatamento e depois veio a questão dos defensivos. Os três temas viraram uma versão não verdadeira da realidade brasileira. Nós temos uma agricultura sustentabilíssima. Mas a versão ficou complicada para nós. Agora tem de ter um plano de comunicação bem feito, usando a ciência para justificar a nossa posição. O problema é que tem muita gente que não quer ouvir. Já está com a cabeça feita. Preferem ouvir uma Greta (Thunberg, ativista sueca do meio ambiente) do que um cientista, como se representasse a verdade absoluta.
Qual o impacto que o surto de coronavírus na China pode ter sobre as exportações brasileiras de produtos agrícolas?
Ainda não temos clareza do impacto desse problema. Acredito que, por enquanto, não haverá queda na demanda de alimentos na China. A minha expectativa é de que isso não afetará de forma dramática as exportações de produtos agrícolas do Brasil. Acho pouco provável também que aconteça uma restrição ao Brasil na área agrícola. Com ou sem coronavírus, a segurança alimentar é fundamental em qualquer país e a China tem uma preocupação muito séria com isso. Agora, obviamente, se a doença atingir níveis mais alarmantes, pode haver consequências imprevisíveis no momento.
Alguns anos atrás, o senhor fez críticas duras à política do governo para o setor de açúcar e álcool, que passou por uma grande crise. A crise ficou para trás?
Dizer que a crise ficou para trás é otimismo demais. Mas acho que está passando. Tivemos um problema sério no governo da presidente Dilma Rousseff, porque toda a estratégia de combate à inflação passava pelo congelamento dos preços dos combustíveis. Aí, a Petrobrás praticamente quebrou, perdeu valor. Isso perturbou também o setor de agroenergia, porque o preço do álcool estava limitado a 75% do preço da gasolina. Chegou uma hora que isso produziu uma quebradeira muito grande no setor, aumentando a concentração de empresas. Até hoje tem muita usina fechada, quebrada. Depois, os países asiáticos, a Índia em particular, iniciaram uma política de subsídio muito pesado à produção de cana. A Índia passou a ser um grande produtor mundial, enchendo o mercado de açúcar, e os preços despencaram, porque o consumo não cresceu tanto quanto a produção. Com isso, o setor, que já vinha combalido, acabou se arrebentando todo.
Como está o setor de açúcar e álcool hoje?
O setor tentou se adaptar a esse processo aumentando a produção de álcool em detrimento do açúcar. Mais de 60% da produção de cana virou álcool, em vez dos 40%, 45% de antes. Os preços do açúcar estavam baixos e o aumento da produção de álcool impediu também a sua valorização. O setor sofreu muito – e ainda tem gente a perigo hoje. Mas, no ano passado, houve uma retomada do consumo de combustíveis e isso fez com que o preço do etanol aumentasse. A Petrobrás também mudou a política de preços, desde o governo Temer, com Pedro Parente na presidência, e com isso as coisas deram uma melhorada.
Neste ano, o Brasil deve colher uma safra de 248 milhões de toneladas, segundo as estimativas, um recorde histórico. É um bom presságio para o setor, não?
Já há uma quebra na safra. Houve seca no Rio Grande do Sul, com perda de milho, e de um pouco de soja, lá e no Paraná. No Maranhão, em Tocantins e na Bahia, também houve uma secazinha. Então, já existe uma redução na estimativa. Mas pode ser que a gente tenha uma safra de inverno tão grande que compense a redução da safra de verão. É cedo para falar sobre isso.
Nos últimos meses, o preço da carne deu um salto. A saída é o brasileiro comer frango, como sugeriu o economista Márcio Holland, no governo Dilma?
A alta do preço da carne é consequência da peste sul-africana, que fez com que a China matasse metade de seu rebanho suíno. Obviamente, isso elevou a demanda por carne alternativa, de frango e bovina. O preço da carne explodiu e por consequência o do milho também, porque ele é que faz a carne. Milho e soja viram proteína animal. Vai chegar um momento, em poucos meses, em que a oferta irá se igualar à demanda e os preços voltarão à normalidade, mas não mais para um patamar tão baixo quanto antes da alta. Vão ficar num nível intermediário, que serve tanto para o produtor quanto o consumidor.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.