A crise no mercado muda rotina do trabalhador

A crise no mercado de trabalho, que deixou 2,68 milhões de brasileiros sem emprego nas seis principais regiões metropolitanas do País, mudou também a rotina daqueles que, nas estatísticas oficiais, não constam como desempregados. Entre julho de 2002 e o mês passado, cresceu em 49% o número de trabalhadores que ganham menos de R$ 1,50 por hora. E aumentou em 21% o total de pessoas que têm algum tipo de ocupação, mas trabalham menos do que 40 horas por semana e precisam ou gostariam de trabalhar mais.

Rio (AG) – Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), essas pessoas entram na categoria de subocupação. São trabalhadores como Tânia Maria Nascimento dos Anjos, que há um ano perdeu o emprego como faxineira. Hoje, ela trabalha cuidando de idosos, mas só consegue ocupar seu tempo quatro vezes por semana, seis horas por dia.

Com um salário de R$ 460, Tânia teve que reduzir o consumo de alimentos. A mãe e o marido dela recebem um salário-mínimo cada de aposentadoria, mas o dinheiro é todo gasto com medicamentos. É Tânia quem sustenta a família, já que sua filha, de 18 anos, está desempregada.

– No supermercado, é só o básico: arroz, feijão e fubá. Não dá mais para comprar carne e leite. Só temos legumes porque minha mãe planta no quintal. Café da manhã é dia sim, dia não, porque R$ 0,25 para o pãozinho fica muito pesado. E tivemos que construir um fogão a lenha porque o bujão de gás está muito caro – conta.

Tânia diz que gostaria de trabalhar mais horas por dia, ou mais vezes por semana. E reclama que, apesar de ganhando mais hoje do que quando empregada como faxineira, os preços subiram muito.

O diretor técnico do Dieese, Sérgio Mendonça, lembra que a aceleração da inflação derrubou a renda dos trabalhadores. A alta dos preços -nos últimos 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor subiu 18,32% – foi combinada com o baixo crescimento econômico, e a menor geração de empregos. O resultado foi o aumento do trabalho precário e da subocupação, diz Mendonça:

O salário-mínimo acompanhou a inflação, mas quem trabalha por conta própria ou no setor informal ficou para trás. Muitos brasileiros foram jogados para a linha abaixo do salário-mínimo.

Isso também aconteceu, na prática, com quem tem emprego formal. O confeiteiro Luciano da Silva veio de São Paulo para o Rio em janeiro e logo conseguiu emprego num restaurante. Luciano ganha R$ 400 por mês. Mas, proporcionalmente, sua renda é inferior a um salário-mínimo por 40 horas semanais de trabalho (ou R$ 1,50 a hora). Ele começa o serviço às 8h e só vai para a casa às 18h. Não tem hora de almoço e folga só na quarta-feira. Ou seja, ganha um real por hora trabalhada.

Semana passada, Luciano aproveitou a folga para tentar uma vaga indicada pela Central de Apoio ao Trabalhador.

Ganho muito pouco pelo que eu faço. Quero um emprego melhor para poder construir a casa própria – diz Luciano, que mora com os sogros.

Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, afirma que é preocupante o aumento dos trabalhadores que, proporcionalmente, ganham menos do que um salário-mínimo. O fenômeno ocorreu este ano: em janeiro, era 1,61 milhão de subocupados por insuficiência de renda nas seis maiores regiões metropolitanas do País; em julho, esse número pulou para 2,39 milhões. O aumento – quase 800 mil pessoas – supera, em muito, o crescimento no total de ocupados, que foi de só 88 mil pessoas.

As vagas criadas na economia foram todas em ocupações precárias – diz Ramos.

Na falta de uma vaga formal, o trabalhador se vira de todos os jeitos. Luiz Paulo Eliziário foi vigilante no seu último emprego, do qual saiu em janeiro de 2001. Desde então, é eletricista, pintor, pedreiro, técnico em eletrônica e bombeiro hidráulico. Nos fins de semana, toca violão em bares.

Faço tudo o que pintar. Se tivesse serviço todo dias, ganharia mil reais por mês. Mas está difícil – conta Luiz Paulo, que semana passada se cadastrou no Sistema Nacional de Emprego (Sine-RJ).

Quem tem, também procura

Não são só os desempregados e os subocupados que engrossam as filas dos bancos de vagas. Nos últimos meses, cresceu a procura por emprego por quem já está empregado. Em julho do ano passado, apenas 4,8% do total de ocupadas estavam nessa situação. No mês passado, eram 5,2%. São trabalhadores que buscam melhores salários, a garantia de direitos trabalhistas ou mais segurança no emprego.

A vendedora Marta Raimundo da Silva trabalha pelo menos seis horas por dia, de segunda-feira a sexta-feira, e ganha R$ 300 por mês. Mas se considera desempregada, porque não tem a carteira de trabalho assinada. Ela reclama da falta de benefícios, como o décimo terceiro salário, o pagamento de férias e as contribuições patronais à Previdência. Desde que perdeu seu emprego como auxiliar de escritório, há um ano, Marta ficou deprimida e chegou a emagrecer 14 quilos:

– O bico como vendedora ajuda a pagar ao menos a passagem para buscar emprego. Também preciso de dinheiro para cuidar do visual, alisar os cabelos, porque sem apresentação ninguém consegue vaga. Mas tive que cortar o lazer, não saio mais de casa para nada.

Sem emprego fixo, Marta fica receosa em fazer compras à prestação. Com a cama e o guarda-roupas estragados por cupim, ela dorme no chão.

A procura por um novo emprego não é privilégio de quem trabalha sem carteira assinada. A estudante de arquitetura Renata Silva Ramos é orçamentista e ganha R$ 652 por mês. Mas decidiu buscar outro emprego quando percebeu que a situação financeira da firma não ia bem.

– Não posso correr o risco de ser demitida, porque preciso pagar a faculdade – conta.

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