O espólio de Olacyr de Moraes, morto em junho de 2015, está sendo questionado na Justiça. Conhecido como “rei da soja”, o empresário chegou a ser dono de construtora (a Constran, vendida para UTC), banco e extensas propriedades rurais, e foi considerado um dos homens mais ricos do mundo. Mas, a partir dos anos 1990, após negócios malsucedidos, aliados ao confisco do governo Collor, Olacyr foi acumulando pesadas dívidas e viu seu império se desmanchar.
Credores do empresário entraram este ano com processo na Justiça reivindicando o bloqueio do dinheiro da venda da Ciapar, empresa que administra as fazendas dos Moraes, para o grupo AMaggi, da família do ministro da Agricultura, Blairo Maggi, apurou o Estado. A transação, anunciada em janeiro, é avaliada pelo mercado em R$ 1,1 bilhão. As partes não informaram o valor do negócio.
Reunidos na empresa Marne – grupo de empresários italianos que já tinha créditos acumulados desde quando Olacyr ainda estava no dia a dia -, os credores alegam ter hoje cerca de R$ 300 milhões a receber. O processo está em segredo de Justiça. A Ciapar reúne as fazendas de soja, milho e algodão em Mato Grosso, com 105 mil hectares, e estava sendo administrada, desde o início dos anos 2000, por Ana Cláudia, filha de Olacyr.
A venda das fazendas, que já estavam arrendadas para o grupo AMaggi desde 2002, é considerada a grande aposta da herdeira para reduzir o endividamento de negócios problemáticos da família – caso da Usina Itamarati, de açúcar e álcool, com débitos de cerca de R$ 2 bilhões, segundo fontes a par do assunto. Apesar da ação movida pelos credores, a expectativa das partes é que o processo de venda não seja afetado.
O escritório Arruda Alvim & Thereza Alvim, que representa os credores, não quis se pronunciar sobre o assunto. Em nota, a AMaggi confirmou a compra de 100% das ações da Ciapar, mas “não comentará aspectos negociais e demais especificidades da transação”. O advogado Sérgio Spinelli, apontado como braço direito da herdeira, também não comenta.
Briga de irmãos. A disputa pelo espólio de Olacyr não envolve apenas credores distantes. De acordo com fontes próximas a Ana Claudia, há ainda desentendimentos entre ela e o irmão mais velho, Marcos Moraes.
Na divisão do bens, feita no início dos anos 2000, a herdeira ficou com os ativos rurais, enquanto Marcos preferiu ficar de fora dos negócios do pai. Anos depois, no entanto, ele acabou se tornando um dos credores relevantes do grupo. Bem-sucedido com a venda do Zip.net, serviço de correio eletrônico gratuito pioneiro no Brasil, para a Portugal Telecom (que foi incorporada pela Oi), por US$ 365 milhões, Marcos emprestou dinheiro ao pai em um dos momentos mais críticos do grupo. O valor não foi revelado.
De acordo com pessoas próximas à família, Marcos passou a cobrar a irmã pelo empréstimo e, em 2015, quando o foco da crise dos negócios estava na Usina Itamarati, teria mandado executar a dívida. Ao Estado, Marcos Moraes confirmou o empréstimo – feito a pedido de Olacyr -, mas negou que houve litígio para receber o dinheiro. “Esse assunto está resolvido”, disse, sem dar detalhes. Ana Cláudia não concedeu entrevista.
Com pouca experiência na gestão de empresas, Ana Cláudia contratou consultorias de reestruturação e profissionais de mercado para administrar os negócios do pai. No caso da Usina Itamarati, houve três trocas de comando nos últimos cinco anos. A usina, que chegou a ser considerada a maior do mundo, foi reestruturada pela consultoria Laplace entre 2015 e 2017 e ainda tenta achar um investidor. Nos últimos anos, vários grupos sucroalcooleiros olharam o ativo, mas não fecharam negócio.
Trajetória. Apesar dos percalços na sua trajetória empresarial, Olacyr de Moraes é apontado como um dos principais responsáveis pela expansão do agronegócio no Centro-Oeste. “Ele viu oportunidade em Mato Grosso quando ninguém apostava no Estado”, disse Alysson Paulinelli, ex-ministro da Agricultura durante o governo de Ernesto Geisel, e amigo do empresário. “Ele investiu pesado em agricultura, idealizou uma das maiores ferrovias privadas do País (a Ferronorte), mas acabou se endividando”, disse. De acordo com Paulinelli, Olacyr foi muito ativo, e o fato de não ter preparado os filhos para assumir seus negócios pode, em parte, justificar os insucessos de suas empresas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.