No plano jurídico, originariamente, o avanço decorrente da consolidação do movimento da economia solidária consubstancia-se na edição da Lei 10.683/2003, de 28/05/03, que trata da estruturação e organização do governo federal, onde no seu art. 27, inc. XXI, alínea ?h?, destaca que ?o cooperativismo e associativismo urbanos? surge como área de competência do Ministério do Trabalho e Emprego, expressão legislativa que decorre da força acumulada pelos empreendimentos econômicos solidários, entidades de apoio e de experiências governamentais de fomento à economia solidária. Naquele momento de concretização das políticas no âmbito federal, fora criado o Conselho Nacional de Economia Solidária, previsto no art. 29, inc. XXI, § 2.º da Lei 10683/2003, órgão de representação tripartite do MTE, em que não fora exigida a representação paritária entre governo e sociedade civil, ou seja, todo o movimento da economia solidária pode se fazer representar de forma majoritária na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas públicas executadas pela Senaes – Secretaria Nacional de Economia Solidária. Nesse sentido, após três anos de intensos debates políticos, bem como de afirmação da política pública no âmbito federal, é editado o Decreto Presidencial n.º 5.811, de 21 de junho de 2006, criando o Conselho Nacional de Economia Solidária – CNES, que disciplinou sobre a composição, estruturação, competência e funcionamento. Ressalte-se que o presidente da República deu posse ao CNES na solenidade de abertura oficial da Conferência Nacional de Economia Solidária ocorrida no dia 27 de junho de 2006, em Brasília.
Conselho Nacional de Economia Solidária: De acordo com o art. 1.º do Decreto, o CNES constitui-se em ?órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego, de natureza consultiva e propositiva?, tendo por objetivo promover o diálogo das políticas e ações que busquem o fortalecimento da economia solidária. Cabe destacar que a natureza consultiva e propositiva decorre do fato de que o Conselho não administrará nenhum fundo a ele vinculado, portanto não foi a ele agregada a natureza deliberativa. Para o atingimento de suas responsabilidades estabelecidas pelo Decreto, o CNES contará com recursos do Ministério do Trabalho Emprego.
A competência do Conselho, descrita no art. 2.º, estabelece como missão do CNES promover a articulação, participação e parcerias da sociedade civil na execução das políticas públicas de economia solidária, perseguindo o objetivo de propor diretrizes e prioridades da política pública, dentre elas destacando (a) aprimoramento da legislação com o fortalecimento da economia solidária (b) coordenar, avaliar e acompanhar a execução das políticas conjuntamente com a Secretaria Nacional de Economia Solidária (c) colaboração com outros Conselhos que tenham por missão políticas públicas de desenvolvimento, combate ao desemprego e à pobreza.
A composição do Conselho Nacional de Economia Solidária, prevista no art. 3.º, é composto por três segmentos (1) gestores públicos federais, estaduais e municipais que possuam órgãos de apoio à economia solidária, obtendo ampla participação de organismos ministeriais do governo federal, que será presidido por representante do Ministério do Trabalho e Emprego, tendo dentre os seus membros representantes da Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Ministério das Cidades, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Ministério da Fazenda, do Ministério da Integração Nacional, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério da Educação, da Secretaria-Geral da Presidência da República, da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; da Caixa Econômica Federal; do Banco do Brasil S.A., representante indicado pelo Fórum de Secretarias Estaduais do Trabalho e um representante indicado pela Rede de Gestores de Políticas de Fomento à Economia Solidária (2) Empreendimentos Econômicos Solidários, representado pelas entidades representantes de empreendimentos: Associação Nacional de Cooperativas de Crédito e Economia Solidária – Ancosol; Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas de Autogestão – Anteag; Confederação Nacional de Cooperativas da Reforma Agrária – Concrab; União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil – Unisol; União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária – Unicafes e quinze representantes de empreendimentos econômicos solidários indicados pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária FBES (3) as organizações da sociedade civil e serviços sociais, denominadas como instituições de apoio e fomento, com a seguinte representação: um representante indicado pela Articulação do Semiárido – ASA; representante do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – Sebrae; representante indicado pelo Grupo de Trabalho da Amazônia – GTA; representante indicado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – Conic; representante indicado pela Rede Cerrado; representante indicado pela Rede Mulheres e Economia; representante da Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho – Unitrabalho; representante indicado pelo Movimento Nacional de Catadores; representante indicado pelo Movimento Nacional Quilombolas; representante indicado pela Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – ITCP?s; representante indicado pela Rede Brasileira de Sócio Economia Solidária; representante da Cáritas Brasileira; representante indicado pelo Fórum de Comércio Ético e Solidário; representante da Associação Brasileira de Entidades de Microcrédito – ABCRED; representante da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais – Abong; representante da Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; representante da Organização das Cooperativas do Brasil – OCB e um representante da Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores – ADS/CUT.
A estruturação do CNES está no disposta no art. 4.º , composto por Plenário, Comitê Permanente, Secretaria e Comitês Temáticos, sendo que sua competência vem descrita nos parágrafos que se seguem do texto do decreto, sendo atribuição (art. 5.º) do presidente da CNES, ?I – convocar e presidir as reuniões do colegiado; II – solicitar a elaboração de estudos, informações e posicionamento sobre temas de relevante interesse público; e III – firmar as atas das reuniões e homologar as resoluções. A imediata instalação e início dos trabalhos da CNES, desencadeará o processo de consolidação da política pública enquanto expressão de força estatal e não, circunstancialmente, governamental, estabelecendo, dessa maneira, a institucionalização e reconhecimento governamental desse novo importante segmento da organização das atividades produtivas solidárias. Além da institucionalização do Conselho proposta pelo decreto, o CNES passa a ser interlocutor obrigatório nas discussões dos textos em tramitação no Congresso Nacional, de iniciativa mais recente do Executivo, o Pronacoop, e o de autoria do senador Osmar Dias – projeto 171/99, ambos visam reformular e modernizar o sistema cooperativista brasileiro, atualmente regulado pela Lei n.º 5.764/71.
Marco jurídico na Conferência Nacional de Economia Solidária: O temário do necessário marco jurídico da Economia Solidária pautou-se na importância da reformulação da Lei Geral do Cooperativismo de 1971, a sua substituição por uma Lei que assegure a liberdade de representação de todas as correntes que formam o cooperativismo nacional, inclusive das minorias organizadas, desburocratizando o registro das cooperativas. Detalhando a pauta do movimento da economia solidária, infere-se que a necessidade de reformulação legal se situa no campo do tratamento diferenciado aos empreendimentos econômicos solidários expressado num sistema tributário diferenciado, reconhecedor de suas formas específicas de organização social e econômica e o direito do trabalho associado, garantindo o acesso à seguridade. A introdução de mecanismos facilitadores de formalização dos empreendimentos com o acesso ao registro desburocratizado, reduzindo o número mínimo de integrantes para fundação das cooperativas. Ainda, estabelecendo critérios diferenciadores entre as verdadeiras cooperativas de trabalho e produção e as ?coopergatos?. Para tanto, propõe-se o Programa Nacional de Fomento das Cooperativas de Trabalho, posteriormente transformado no projeto PRONACOOP de iniciativa do Executivo Federal, visando assegurar aos empreendimentos a geração de renda suficiente, assegurando-se, para cada associado, ao menos ganhos mensais não menores do que o salário mínimo ou o mínimo profissional. A iniciativa governamental comentada nesse artigo, combinada com as leis estaduais de fomento à Economia Solidária aprovadas nos Estados de Minas Gerais, Piauí e Espírito Santo, constituem-se em novos espaços regulatórios de formalização, institucionalização e promoção de novas iniciativas de geração de trabalho e renda que têm como centralidade a solidariedade, cooperação e autogestão, princípios balisadores do desenvolvimento local com inclusão social.
Edésio Passos é advogado trabalhista e ex-deputado federal (PT-PR). edesiopassos@terra.com.br.
Sandro Lunard Nicoladeli é advogado trabalhista, mestre em direito cooperativo e cidadania pela UFPR, coordenador de fomento e qualificação profissional da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social/SETP, delegado na ?I Conferência Nacional de Economia Solidária?. sandrolunard@uol.com.br.
