Economia Política Repressivo-Punitiva

A sofisticação das estratégias de controle sociopenal nos últimos tempos tem importado numa nova compreensão não só do que se diz ?crime?, mas, principalmente, de toda uma nova engenharia econômico-política acerca das medidas legais de repressão e punição. Essa sofisticação tecnológica do controle sociopenal é difundida tanto pela linguagem oficial dos Sistemas de Justiça, quanto pelas inúmeras expressões da violência, enquanto ?símbolos vivos?(1) da grave crise política e social em que se encontram inseridos o Estado e a Sociedade brasileira. Como adverte Charles Sanders Pierce(2), o símbolo é coisa viva que muda lentamente apesar do significado crescer inevitavelmente, incorporando elementos novos e, por vezes, eliminando outros, pois, assim, é possível agregar novas concepções que facilitam não só a compreensão, mas, também, a resolução das novas demandas sociais.

A ideologia de neutralidade do Direito Penal como instrumento de justiça social e de proteção de bens jurídicos passa, agora, a legitimar o correcionalismo repressivo da reabilitação pessoal segundo Juarez Cirino dos Santos(3), para quem apenas se operam ?reformas de superfície, ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para deixar tudo como está?.

O estabelecimento de políticas públicas destinadas ao atendimento das pessoas que se envolveram num acontecimento delituoso, certamente, demanda uma nova economia sociopolítica que não só racionalize a intervenção estatal repressivo-punitiva, mas, acima de tudo, limite a sua ?necessidade? através de programas oficiais de atendimento e acesso aos meios indispensáveis ao pleno exercício das liberdades substanciais, como, por exemplo, à vida, à saúde, à educação, à habitação, à alimentação, ao esporte, ao lazer, ao pleno emprego, à profissionalização, à cultura, ao voto, enfim, àquelas liberdades inerentes à própria dignidade da pessoa humana segundo o inc. III, do art. 1.º, da Constituição da República de 1988.

Os ?riscos de criminalização?, isto é, ?a necessidade sobrevivência em condições de privação material? potencializa a prática de condutas delituosas, o aprisionamento, a estigmatização, e, assim, conseqüentemente, a incapacidade das pessoas criminalizadas ?para o exercício da cidadania?, estabelecendo, por assim dizer, uma espécie de ?desigualdade substantiva? através da qual a ?forma aparente da liberdade, da igualdade e da justiça oculta uma realidade de coerção, de desigualdade e de injustiça: a ideologia é, ao mesmo tempo, realidade e ilusão.?(4).

O processo de criminalização é um dos principais mecanismos de controle social segundo Alessandro Baratta(5), para quem o direito penal funciona, assim, como um sistema dinâmico de funções que possui três distintos mecanismos que podem ser analisados separadamente, quais sejam: o mecanismo da produção das normas funciona como criminalização primária; o mecanismo da aplicação das normas (o processo penal) compreende a ação dos órgãos de investigação culminando com o juízo, isto é, com a criminalização secundária; e, finalmente, com o mecanismo da execução da sanção penal enquanto conseqüência legal aplicada (penas ou medidas de segurança).

Esses mecanismos do processo de criminalização estabelecem, entretanto, uma injusta e desigual distribuição da criminalidade, isto é, os crimes enquanto bens sociais de valor negativo são atribuídos (imputados) de maneira consoante à distribuição social da riqueza.

Eis, pois, ?a negação do mito do direito penal igualitário, na sua dupla dimensão ideológica: a proteção geral de bens e interesses existe, realmente, como proteção parcial, que privilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a igualdade legal, no sentido de igual posição em face da lei, ou de iguais chances de criminalização, existe, realmente, como desigualdade penal: os processos de criminalização dependem da posição social do autor e independem da gravidade do crime ou do dano social.?(6).

É preciso transformar o estudo e a pesquisa acerca da criminalidade, numa crítica sociopolítica sobre as ?condições de criminalização?(7) a que se encontram expostas inúmeras pessoas e grupos diante dos mecanismos e estratégias sofisticadas do sistema de controle sociopenal, procurando-se assim superar epistemologicamente a ideologia orientativa dessa sempre renovada economia política repressivo-punitiva.

Notas

(1)     PEIRCE, Charles Sanders. Escritos coligidos: gramática especulativa. 2.ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 99-101.

(2)     PEIRCE, Charles Sanders. Op. cit.

(3)     SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. 2ª ed. Curitiba: ICPC; Lumen Juris, 2006, p. 35 e ss.

(4)     SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit.

(5)     BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. trad. Juarez Cirino dos Santos, 2.ª ed., Rio de Janeiro (RJ): Instituto Carioca de Criminologia: Freitas Bastos, 1999, p. 161 e ss. (Coleção Pensamento Criminológico).

(6)     SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit.

(7)     RAMIDOFF, Mário Luiz. Trajetórias jurídicas: desafios e expectativas. Florianópolis: Habitus, 2002, p. 39-60.

Mário Luiz Ramidoff é promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná; mestre (CPGD-UFSC) e doutorando em Direito (PPGD-UFPR); professor das Faculdades Integradas Curitiba; ramidoff@pr.gov.br

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