O jornalista Cláudio Abramo disse certa vez que os brancos são o câncer da raça humana. Algo excessivo, porque não é pacífico que só os brancos sejam violentos. Basta olhar a África, os astecas, os incas, os mongóis, vikings, indonésios, índios de todas as américas, para dissipar a carga de culpa que a acusação encerra. O gênero humano, em todas as matizes cromáticas, é violento, tem os genes da fúria, da liberdade e outros, alguns bons, outros ruins. Caso contrário não teria sobrevivido na evolução das espécies. Uma evolução, em todas as espécies, marcada pela violência.
Estas palavras não servem para redimir os brancos, no caso os europeus e, mais, os ingleses, da lambança em que se transformou o Oriente Médio, no século 20. A confusão que se instalou por ali tem matriz ocidental, branca, imperial. Em decadência, o império inglês formulou novas nações esboçadas no império colonial, que abrangia tribos, reinos e regiões nem sempre com fronteiras fixas. O Iraque é um exemplo do molho inglês.
Uma região cheia de tribos se transformou em um país frankenstein, onde se encontram curdos, turcomanos, um milhão de assírios-caldeus, de maioria cristã, árabes, até judeus, além, claro, de muçulmanos xiitas, a maioria, e sunitas, em apenas 14%. Estes dominam o país, através de Saddam Hussein e sua família. Não se pode dizer que se entendem pacificamente.
Esse barril de pólvora é um dos motivos que levam os muçulmanos da região, apesar de não tolerarem Saddam, a não desejarem a guerra. Peguem-se dois exemplos. Os xiitas querem o controle do país e são aliados do Irã, que já percebeu a vocação guerreira de Bush, a quem consideram o verdadeiro eixo do mal, e devem se armar. Então a guerra tem a semente de outra. Há ainda o caso dos curdos. Há muito desejam criar o Curdistão, com um pedaço do Iraque, quem sabe outro da Turquia e um tiquinho do Irã. Os curdos, como os chechenos, os bascos, e outros povos que reivindicam autonomia, nunca desistiram da idéia. Dormem e acordam pensando nisso.
Esses povos simplesmente existem. Podem ficar séculos dominados, que não deixarão de existir. Como a Ucrânia, que passou noventa por cento de sua história sob dominação, mas nunca deixou de ser o que é, uma nação. Ou a Armênia, com uma parte na antiga União Soviética e outra na Turquia. Aliás, esta, vítima de um dos maiores genocídios de todos os tempos, no século passado. Se os armênios tivessem lobby em Hollywood, as histórias do massacre sob os turcos inspirariam filmes que mostrariam definitivamente que a perseguição nazista a judeus não foi única, em grande escala, no século passado. Milhões de armênios fugiram ou morreram. Hoje tem seu país.
Pois bem. Os curdos não desistiram da autonomia. Eles querem falar. E também querem ouvir. Alguém se dispõe? Há o temor de que a guerra libere a fúria revolucionária dos curdos. Como ocorreu na Rússia, com a Chechênia. É por coisas assim que esta guerra, do ponto de vista do bom senso, é de uma inutilidade absoluta. Mais que isso, uma insanidade. Ela não foi feita para encontrar soluções. E certamente vai criar mais problemas. Os brancos europeus e agora americanos podem, claro, sufocar os curdos. Mas não para sempre. Como mostra a lambança inglesa.
Edilson Pereira
(edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.