O nosso leitor Marco Guimarães foi curto e grosso ao definir o chamado “Dia sem carro”, proposto pelo prefeito Taniguchi para 22 de setembro: “Isso parece piada de português, porém só poderia ser idéia de japonês… Atitude simplesmente ridícula!”. E ele está coberto de razão. Duvido que o prefeito Taniguchi, vereadores, deputados, juízes e outros notáveis abrirão mão de seus carrões importados, com vidro fumê, blindados e da segurança pessoal para sair de casa a pé.
Imagine que seja um daqueles dias chuvosos, que o Taniguchi saia de casa com uma ou duas horas de antecedência, de guarda-chuva, capa e da indefectível galocha. Sim, porque ele não vai querer molhar os pezinhos nas nossas esburacadas calçadas. E depois, ele, no primeiro ponto de ônibus, abrigado nesses monstrengos recém-criados, com reclames publicitários. Fica esperando um, dois, três, quatro ou cinco amarelos, verdes, vermelhos, passando. Entra no primeiro que leve para o Centro Cívico. Mas erra, ao invés da porta da frente, entra pela do meio. O cobrador lhe dá uma bronca: “E daí seu bacana! Não está acostumado com ônibus? Desce e entra pela porta certa. É a da frente!”.
Passa um carão, corre o risco de ser vaiado e se espreme entre os pobres viventes, respingando água nos que estão sentados e levando empurrões dos mal educados. Na hora de pagar, tira da recheada carteira uma nota de R$ 50 e recebe outra bronca do cobrador! “Não tenho troco! Vai ter que esperar!”.
O cheiro de suor, misturado com o de “cachorro molhado” se espalha pelo ar. E vai chegando gente, apertando cada vez mais. O motorista dá uma pisada no acelerador porque está atrasado e no sacolejo pelas ruas esburacadas da cidade lá vai o “cata osso” revivendo o cotidiano dos seres comuns. Isso se o coletivo não furar um sinal (afinal ônibus não é multado mesmo!) e se envolver num acidente ou atropelar um ciclista na canaleta (eles andam irregulares até nos dias de chuva!).
Pelo meio do caminho vão entrando o juiz, o vereador, o deputado e toda a galera de ilustres, vivendo o “dia sem carro”. Tenho certeza que ele vai se arrepender logo que chegar na porta de casa e olhar para a chuva forte que está caindo.
Fazer lei ou ter idéias para os outros cumprirem, é uma delícia. Agora, sentir na pele o problema do povo é que são elas. Melhor é pegar o carrão importado, cercar-se de todas as garantias e segurança para evitar balas perdidas, o cheiro do povo, o sacolejar pelas ruas esburacadas e outras tantas que vivem os que votam.
Quem é votado prefere os privilégios do poder a sentir na carne o quanto é difícil morar numa cidade onde as idéias dos bacanas fluem como cascata para influenciar a vida das pessoas.
E eles chamam a cidade de Capital Social. Como social é o empurra-empurra das filas da previdência; social é a demora para ser atendido nas repartições públicas; social é a burocracia; social é o hospital ou posto de saúde, onde se morre sem ser atendido; social é o desemprego que cresce dia a dia; social é a segurança que não antecipa o crime; social é a violência das balas perdidas dos nossos bairros; social é o xixi no cantinho do tapume por falta de banheiros públicos; social é a calçada irregular que provoca fraturas nos menos avisados e até os pontos de ônibus e tapumes irregulares que invadem a calçada do pedestre.
Osni Gomes
é jornalista (osni@pron.com.br), editor em O Estado e escreve aos domingos neste espaço.