Foi veiculada pela imprensa notícia acerca da pressão feita por entidades empresariais no sentido de serem oferecidas pelo Fisco federal novas condições especiais de pagamento de débitos tributários vencidos, algo como um REFIS III (considerando o REFIS de 2000 e o PAES de 2003). Mas não seria o momento de se pensar em algo mais racional e justo, num incentivo à pontualidade tributária, e não, como, de certa forma, vem acontecendo, à impontualidade?
Sem esquecer dos contribuintes que efetivamente não conseguem honrar o pagamento de suas obrigações tributárias em virtude de dificuldades econômico-financeiras, e aos quais é preciso dar uma razoável oportunidade de saldar esses débitos, é importante também considerar que periódicas anistias e benefícios aos inadimplentes acabam por criar uma expectativa de suas futuras repetições de tempos em tempos, a lembrar as liquidações sazonais promovidas pelo comércio, reforçando uma certa cultura da impontualidade. Por isso, não raro, o contribuinte em atraso aposta em ganhar fôlego discutindo a matéria tributária correspondente ao débito, administrativa ou judicialmente, para daí a anos ingressar num parcelamento em condições favorecidas. Especula-se ou aposta-se na possibilidade de o Fisco renovar moratórias, anistias etc.
Esse mecanismo é duplamente perverso. Em primeiro lugar, para a sociedade como um todo, prejudicada por um comportamento que não deixa de ser economicamente racional (ainda que não defensável eticamente): por que pagar hoje o que pode ser pago amanhã e, quiçá, com benefícios? Em segundo, para, em especial, os contribuintes em dia com suas obrigações, que, muitas vezes, concorrem, em desigualdade de condições, com os faltosos no mesmo ramo de atividade econômica. De fato, o devedor goza de uma vantagem competitiva, trabalhando, efetivamente, com um custo tributário menor. Essa vantagem torna-se ainda mais gritante e absurda quando o devedor vem a prestar serviços para o próprio ente público perante o qual está em débito (o que pode conseguir regularmente por meio de certidões positivas com efeitos de negativas).
É chegada a hora, pois, de se estimular o pagamento em dia das obrigações tributárias, e isso por meio daquilo que alguns denominam "sanções premiais", ou seja, estímulos positivos à adoção de uma conduta, seja ela facultativa ou até mesmo obrigatória. A idéia, em síntese, seria a seguinte: o contribuinte rigorosamente em dia com suas obrigações tributárias (o que não inclui, por exemplo, o contribuinte que esteja parcelando obrigações vencidas) teria direito automático a um desconto no valor a ser pago de, digamos, 15% (quinze por cento) sobre esse valor; esse benefício seria renovado, ou não, a cada vencimento das obrigações tributárias, sempre considerando a situação fiscal do contribuinte nesse momento; já o contribuinte faltoso, ainda que com débitos parcelados, não teria direito a tal vantagem, devendo pagar a totalidade do valor dos débitos vincendos, sem qualquer desconto, até que saldasse integralmente todas as suas pendências. E, de forma a evitar fraudes, poderiam ser previstas punições severas para os que fizessem uso indevido do benefício (com cobrança da diferença paga a menor acrescida de multa de até 150% sobre essa diferença).
O Fisco já ensaiou timidamente algo do gênero. Nesse sentido, a Lei 10.637 previu a possibilidade de redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (denominada "bônus de adimplência fiscal"), equivalente a 1% da sua base presumida. Todavia, as condições estabelecidas para seu gozo eram de tal modo rigorosas de quase impossível cumprimento e a contrapartida, tão insignificante, que não chegou a atrair os contribuintes e caiu num merecido esquecimento.
A objeção óbvia a ser enfrentada é esta: haveria perda de arrecadação, a pressionar ainda mais as contas do Governo. Porém, há que se verificar, concretamente, se a redução nominal de alíquota não seria mais do que compensada por um aumento do universo de contribuintes em dia com suas obrigações. Assim, valeria a pena realizar uma experiência de curta duração (três ou quatro meses), para ver o que resulta. A partir disso, poderia ser feita uma calibragem do benefício, para menos ou para mais. De todo modo, mais importante é o significado ético e pedagógico de uma valorização do bom pagador, que, muitas vezes, sente-se um "trouxa" em relação ao inadimplente, este cortejado com benefícios periódicos para simplesmente honrar suas obrigações vencidas, aquele esmagado por uma carga tributária cada vez maior.
Leonardo de Paola é professor de Legislação Fiscal da FAE Business School, doutor em Direito e advogado.