Esqueçamos a farra da nossa política, ou melhor, dos puxadores da batucada deste País que cantam o enredo como bem entendem, e entremos na folia do Carnaval. Hoje é a terça-feira gorda, principal dia de uma festa que se espraia pelos que o antecedem e invade a Quarta-Feira de Cinzas, num inocente desafio às rígidas, e por isso mesmo pouco seguidas, regras religiosas. Em alguns lugares, como na Bahia, o Carnaval prossegue semana afora e começa na véspera da véspera da véspera.
O Carnaval é velho de milhares de anos. Em Roma, em glória ao deus Saturno, realizavam-se as saturnais. Tanta importância davam a esses festejos que fechavam escolas e tribunais e escravos recebiam alforria. Na abertura desse Carnaval romano, carros parecidos com navios iam para as ruas com homens e mulheres nus. Não se entende por que agora, no século XXI, ainda haja quem reclame que nossas lindas mulheres, especialmente as inigualáveis mulatas, sambem pudicamente seminuas.
A palavra Carnaval viria de carnevale, ou carro naval das saturnais. Esse era um dos carnavais, pois esse tipo de festa confunde-se com o nascimento da nossa civilização. Vem de rituais das celebrações de fertilidade. E também da colheita das primeiras lavouras, às margens férteis do Rio Nilo. Isso há seis mil anos. Não esqueçamos que os trogloditas já dançavam ao redor de suas fogueiras, dentro das cavernas.
As primeiras festas carnavalescas no antigo Egito eram para a deusa Ísis. Atribui-se aos gregos, criadores da civilização ocidental, em culto ao deus Dioniso, a introdução da bebida e do sexo na grande festa, com um título ou outro, um motivo ou outro, já então universalizada.
Na Roma antiga, bacanais, saturnais e lupercais festejavam os deuses Baco, Saturno e Pã.
A sociedade clássica veio a acrescentar ao Carnaval a função política. A distensão social, a crítica aos governos e governantes parece que então começaram e vieram para ficar.
A igreja quase sempre se opôs ao Carnaval, uma festa pagã e pecaminosa. João Paulo II foi mais condescendente.
Há quem entenda que a palavra Carnaval vem de ?carnem levare? ou ?jejum de carne?, o que historicamente é aceitável, embora hoje o tríduo momesmo sirva para comer de tudo. No Brasil, um país que naquela época sequer era imaginado, pois ficava do outro lado do mundo que os antigos achavam que não era redondo, portanto não tinha o outro lado, o Carnaval veio para ficar. E herda, das festas que lhe deram origem ou a ele se assemelharam, a alegria, as fantasias, os carros alegóricos, a nudez de homens e mulheres, a euforia de quem nada tem e sofre o ano inteiro fome, miséria e escravidão. Herda também, ou renova, a crítica social e política. Neste Carnaval, mesmo que se deva esquecer da política, até os comportados José Serra e Alckmin, prefeito de São Paulo e governador do maior estado do País, dois pré-candidatos à Presidência do Brasil, estão sendo acusados de entrar nos desfiles fazendo parte do enredo de escolas de samba. Talvez não do enredo que se desenrola pela avenida, mas daquele que deve continuar, carnavalesco, até as eleições que no final deste ano esperamos não seja mais uma farra.
Esses dois foliões políticos já entram tarde na festa. O Lula já está desfilando há muito tempo.