E a democracia virou circo

Você votaria em um ator de filmes de ficção científica? Ou em uma prostituta? Ou em um ?prócer? da indústria pornográfica? Ou em um artista que tem como grande apelo o fato de ser anão? Esses são alguns dos candidatos ao governo da Califórnia, que tem uma legislação eleitoral maluca e permite a candidatura de quase cem pessoas. Dentro dessa confusão está, também, uma séria crise da centro-direita americana, que está sofrendo para arranjar um candidato para enfrentar George Bush. Bem, para quem não arranja um cidadão para comandar um estado, imagine um país.

Não que um dos citados acima seja do Partido Democrata. Arnold Schwarzenegger é o candidato dos republicanos para assumir a Califórnia, e segue sendo o favorito. Os outros, Larry Flint, Mary Carey e Gary Coleman, são independentes, assim como quase a totalidade dos 193 inscritos para disputar a eleição. Isso porque um abaixo-assinado correu o estado e pediu para derrubar o governador Gray Davis, possibilidade que a Constituição estadual permite.

Mas o que leva a tantos candidatos bizarros surgirem? A dificuldade dos democratas em criar uma nova liderança. E isso se reflete nas várias pré-candidaturas à presidência (a eleição acontece ano que vem), todas elas sem conteúdo real que ameace, por enquanto, o caminho para a reeleição de George W. Bush. Os democratas não conseguiram sair da sombra de Bill Clinton, e agora pagam o preço.

Aí está o entrave dos liberais americanos. Os reacionários tomaram o poder com Bush, e estão no comando das principais secretarias e sub-secretarias. O governo mantém a popularidade na base da força, sempre lembrando a ameaça terrorista e mantendo a moral de ?polícia? do mundo. Apesar da estagnação econômica, a política do medo faz sucesso, e a popularidade de Bush, se não é mais aquela, continua alta.

E a cultura americana absorveu os reacionários. Dois dos livros mais vendidos nos Estados Unidos são exemplares: Losing Bin Laden: How Bill Clinton?s Failures Unleashed Global Terror (Perdendo Bin Laden: Como Bill Clinton falhou em tentar segurar o terror global) e Treason: Liberal Treachery from the Cold War to the War on Terrorism (Traição: A traição liberal da Guerra Fria até a guerra contra o terrorismo).

Este último é da pensadora Ann Coulter, talvez a mais feroz crítica dos liberais americanos. Ela consegue ser mais reacionária que o núcleo barra-pesada do governo Bush, e entre suas idéias está a derrubada de todos os governos árabes e a mudança radical da cultura do Oriente Médio, incluindo aí a ?erradicação? do islã. Em seu sítio na internet (anncoulter.org), o comentário de abertura tem o título “Argumentos liberais – ainda na lama”.

E o pensamento liberal americano não consegue se defender de tantos ataques, muito menos impor sua filosofia na cultura e na política. Nesse mundo de incoerência, discriminação e insensatez, imaginar paz e tranqüilidade até mesmo nas discussões acadêmicas é difícil.

Cristian Toledo

(cristiantoledo@uol.com.br) é repórter de Esportes em O Estado.

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