1. Existem algumas decisões sobre o descabimento de embargos infringentes, em ações de indenização por dano moral, quando a controvérsia cinge-se ao valor do dano moral. Vejamos:

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?Não havendo divergência em relação ao provimento do apelo, mas apenas em relação ao ?quantum? da indenização pelos danos morais causados, resta não configurada a hipótese prevista no art. 530 do Código de Processo Civil, não devendo, pois, ser conhecido o recurso de Embargos Infringentes. Lê-se num dos votos vencidos:…?Efetivamente, não há como negar que o valor da indenização faz parte do âmago da questão do dano moral e, por isso, trata-se de matéria de mérito. É que em tema de responsabilidade civil o mérito da causa abrange fundamentalmente três questões que são o ato ilícito, o nexo causal e o prejuízo, de modo que exatamente a quantificação deste último, como elemento fundamental do direito da parte, é tema imanente e inerente ao mérito da causa?. (EI 70008136525

5.º Grupo Cível do TJRS).

?Não havendo divergência em relação ao mérito, mas apenas no tocante ao ?quantum? da indenização pelos danos morais, não resta configurada a hipótese prevista no artigo 530 do Código de Processo Civil. Embargos infringentes não conhecidos. Lê-se no corpo do acórdão:A particularidade do caso (pedido genérico de indenização a título de dano moral) revela que o ?quantum? indenizatório não integra o mérito da causa, pressuposto para desafiar os infringentes.

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O mérito da ação constitui o pedido propriamente dito (meritum causae), tal qual formulado na petição inicial, dando oportunidade para as hipóteses previstas no artigo 269 do Código de Processo Civil. Concentra o mérito da ação o objeto imediato do pedido, que no caso restringe-se na condenação do réu ao pagamento de indenização a título de dano moral. Tal pedido (mérito da ação) foi reconhecido na sentença e confirmado por unanimidade em grau de apelação. O valor da indenização, decorrente de pedido genérico (ao arbítrio do julgador) equivale ao objeto mediato do pedido e se traduz em simples conseqüência do reconhecimento do mérito da pretensão, razão pela qual não o integra. Assim, quando a divergência está restrita ao ?quantum? indenizatório, por não integrar o mérito, não tem cabimento os embargos infringentes?. (EI 222.165-4/01 10.ª Câmara Cível em composição integral do TAPR).

2. O art. 530 do Código de Processo Civil (redação dada pela Lei 10.352/2001, que entrou em vigência em 28-3-2002), enuncia: ?Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência?.

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3. Toda a discussão gira em torno do que é mérito. Cândido Rangel Dinamarco, em seu clássico livro ?Fundamentos do Processo Civil Moderno?, aborda o tema de forma profunda, num dos melhores estudos existentes no Brasil, afirmando: ?Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere) que, entre outros significados, tem o de ?pedir, pôr preço? (é a mesma origem de ?meretriz? e aqui também há idéia do preço, exigência). Daí se entende que meritum causa e (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para seu exame?. (Op. Cit., RT, 1986, p. 202).

4. ?Mérito É a lide. Julgar o mérito é julgar a lide, ou, noutras palavras, é julgar o pedido do autor qualificado pela resistência do réu?. (Eliézer Rosa, Mérito, in Dicionário de processo civil, Rio de Janeiro, 1957, p. 267; extraído da Enciclopédia Saraiva do Direito, vocábulo ?mérito da causa?, vol. 52, p. 297).

5. Rodrigo da Cunha Lima Freire, em estudo sobre as condições da ação, em relação ao mérito, leciona: ?Com efeito, é o pedido que fixa o principal ponto duvidoso do processo, o seu objeto litigioso, também conhecido como mérito ou lide, aquilo que do conflito de interesses foi levado a juízo. … Conforme Liebman, ?o elemento que delimita em concreto o mérito da causa não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora do processo, e sim o pedido feito ao juiz em relação àquele conflito?. (Condições da ação, RT, 2000, pp. 53-54).

6. Não se pode olvidar que Liebman reformulou a teoria de Carnelutti, ao acrescentar que a parte formula um pedido concreto e, neste pedido, é que se configura a lide. A lide (o mérito) será sempre a que se informa pelo pedido. (Ernane Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil, Saraiva, 1985, vol. 1, n. 82, pp. 46/47).

7. Daí se infere que mérito é o pedido formulado pelas partes (autor na petição inicial, réu na reconvenção, etc). Numa ação de indenização por dano moral, o autor descreve uma situação fática e pede indenização por dano moral, podendo desde logo formular pedido certo (valor X) ou deixar a critério do juiz a fixação. De maneira evidente que o pedido se refere a uma indenização, um valor X. Não interessa ao autor o juiz dizer que ele tem razão e não fixar valor algum ou sequer remeter para liquidação de sentença. Dessa forma, o valor da indenização é o pedido e, por conseguinte, de forma inquestionável envolve o mérito da ação.

8. Outro exemplo: Se B move ação de cobrança contra C pleiteando a dívida no valor de 100. C contesta alegando que nada deve e invocando o princípio da eventualidade, afirma: se devo é 50. O juiz reconhece a existência da dívida e condena C a pagar a B a quantia de 100. No recurso de apelação o Tribunal confirma de maneira unânime que C deve para B e por maioria reforma a sentença para dizer que C deve apenas 50. Pergunta-se: Cabem embargos infringentes?

Evidente que a resposta é afirmativa. O valor da dívida é o pedido e, por conseguinte, se refere ao mérito.

9. Não se pode confundir também questões de mérito, com o próprio mérito. Cândido Rangel Dinamarco desenvolve percuciente estudo sobre o tema (Op. Cit., n.º 106, pp. 188/194), onde afirma ?O que venho de expor demonstra suficientemente que o fato de uma questão (ou conjunto de questões) ter pertinência à relação material ?in judicium deducta?, caracterizando-se como questão de mérito, não significa que ela própria (a questão ou grupo de questões) seja o mérito. Para decidir o mérito, assim como para declarar que o demandante está amparado por ação ou dela é carente, ou ainda para pôr ordem ao processo como tal e verificar-lhe os pressupostos, o juiz vai resolvendo questões, isto é, optando por pontos que lhe pareçam procedentes. É vital não confundir as questões com o próprio mérito, ou com a ação ou mesmo com o processo. … Omissis … se não fosse assim, o julgamento das questões pertinentes à situação jurídico-substancial controvertida, confundindo-se com o próprio julgamento do mérito, seria apto a obter a coisa julgada material e, na interpretação do art. 485 do Código de Processo Civil, chegaríamos a concluir que a ação rescisória teria também finalidade de afastar os fundamentos da sentença rescindenda?.

10. Nestas condições, no primeiro julgado acima, os pressupostos da responsabilidade civil (ato ilícito, o nexo causal e o dano), a nosso ver, não se configuram como mérito, mas sim como questões de mérito. Este abrange somente o pedido formulado pelas partes (pedido inicial, reconvencional ou formulado na contestação, quando possível, como nas ações dúplices).

11. Por outro prisma, a alegação de que somente o objeto imediato do pedido abrange o mérito, como enfatizado no segundo julgado acima, também não se revela adequado em nosso pensar. Ambos os pedidos imediato e mediato integram o mérito. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart ensinam: ?Quando se alude ao pedido imediato, pensa-se na espécie de sentença e conseqüentemente no tipo de pedido que é requerida ao órgão jurisdicional. Nesse sentido fala-se em pedido declaratório, pedido constitutivo, pedido condenatório, pedido executivo e pedido mandamental. … O pedido mediato é o bem da vida pretendido pelo autor?. (Manual do Processo de Conhecimento, RT, 2006, 5.ª edição, pp. 92-94).

Vicente Greco Filho enfatiza: ?O pedido mediato é o bem jurídico de direito material que se pretende seja tutelado pela sentença (ex.: a entrega da coisa, a desocupação do imóvel, o pagamento etc.)?.

Não se configura adequado que o bem jurídico de direito material não integre o mérito.

12. Insta dizer também que quando ocorrer diversos pedidos ou parcelas diversas no pedido e, por maioria, se reforme a sentença, cabível os embargos infringentes. Por exemplo, possível que a divergência seja apenas quanto aos juros moratórios (termo inicial, percentual ou indexador).

13. Barbosa Moreira leciona:

?A divergência pode verificar-se em qualquer dos pontos sobre que se haja de decidir no julgamento (de meritis) da apelação ou da rescisória, quer se trate do capítulo principal, quer de capítulo acessório. … Compondo-se o acórdão de mais de um capítulo, serão embargáveis os capítulos a cujo respeito houver voto vencido?. (Comentários ao CPC, Forense, 11.ª edição, 2003, vol. V, ns. 285 e 286, pp. 526/527).

14. O STF já decidiu: ?Se as parcelas são decomponíveis, têm de ser examinadas uma a uma, cabendo embargos quanto àquelas em que não houve unanimidade, e pouco importando que o embargante, no cômputo total, tenha sido mais favorecido, em apelação, do que em primeira instância?. (RTJ, 88/667).

15. Ainda sobre o segundo julgado acima a afirmação de que o valor da indenização decorre de pedido genérico (ao arbítrio do julgador), também em nosso entendimento, não se encontra correto.

Embora não se desconheça a existência de alguns julgados do STJ (Resp 125.417; AG 376.671 e AgRg no AI 376.671), propugnando que admissível o pedido genérico em ação de indenização por dano moral por não ser possível, quando do ajuizamento da ação, determinar-se o ?quantum debeatur?, pensamos que a rigor não se configura nessas hipóteses o pedido genérico previsto no art. 286, II, do CPC. Aliás, regra de caráter restritivo e exaustivo. Diz respeito o aludido dispositivo a pedido genérico, quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito. Exemplos: vítima de acidente de veículos sofreu lesão no olho; não sabe a conseqüência definitiva do dano, se perderá parcial ou totalmente a visão; evidente que nesses casos admissível o pedido genérico. No caso aqui tratado do dano moral, a conseqüência do ato, encontra-se delineada de maneira definitiva. O autor (vítima) pode ter dificuldades para mensurar o dano moral, como o juiz também terá, mas não significa que dependa de fato futuro para dimensionar as conseqüências.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam: ?Nas ações de indenização por dano moral ou à imagem (v.g., CF 5.º V e X), o pedido deve ser certo e determinado, fixado pelo autor. No mesmo sentido: Marcato-Scarpinella, CPCI, coment. 8 CPC 286, p. 885. Não se deve deixar para o perito judicial a fixação do ?quantum?, na indenização dos danos extrapatrimoniais?. (Op. Cit., p. 484).

No mesmo sentido e bem fundamentado julgado do TJSP Rel. Des. Leite Cintra (RT, 761:242).

No caso o pedido é ilíquido, na verdade o autor deixa de formular em quantia certa e determinada, a fim de evitar discussão sobre sucumbência recíproca. Aliás, matéria hoje superada com o advento da Súmula nº 326 do STJ.  Dessa maneira, se o autor formula pedido de indenização por dano moral, ainda que reste ao arbítrio do juiz a fixação do valor, obtém vitória e condenação no valor (x). O réu apela e obtém reforma por maioria para diminuição do valor para y. Evidente o cabimento dos embargos infringentes por parte do autor, a fim de prevalecer o voto vencido e a sentença proferida pelo juízo singular. A questão envolve o mérito do pedido inicial.

16. Conclusão: Mérito é o pedido formulado pelas partes. Não se pode confundir questões de mérito, com o próprio mérito em si. Não se pode confundir pedido genérico (CPC, art. 286, II), com pedido de fixação do dano moral ao prudente arbítrio do juiz. O pedido mediato, ou seja, o bem da vida pretendido pelo autor integra o mérito. Embora numa ação de indenização por dano moral, o autor não formule pedido em valor certo, este integra o mérito. Com o advento da Súmula nº 626 do STJ que afasta a sucumbência recíproca quando ocorrer condenação em valor inferior ao postulado na petição inicial, a tendência será a exigência sempre de que o autor formule pedido em quantia certa. Enfim, o valor do dano moral abrange o mérito e cabível os embargos infringentes, quando ocorrer reforma da sentença nesse aspecto.

Lauro Laertes de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.